tag:blogger.com,1999:blog-29705250531597657122024-03-14T03:32:51.840-03:00Preto no Branco: rápido e incolorApenas desafio minha alma a se expor aqui neste blog como ela jamais fez até hoje.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.comBlogger148125tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-76722963152787404072018-09-03T16:47:00.001-03:002018-09-03T16:47:22.489-03:00O fracasso civilizacional do Brasil<p dir="ltr">Postando após a destruição total do Museu Nacional, onde trabalhei, por muito tempo de graça, entre 1999 e 2011.</p>
<p dir="ltr">Eu, que fiquei em casa, mal consegui dormir pensando no nosso fracasso como civilização, um país que prefere abandonar os mais pobres à míngua ou à morte, um país que se agarra à uma tradição de violência no trato com o outro e ao direito de fazê-lo, que se diz patriota mas vê com bons olhos (ou com total impassividade permissiva) o sucateamento e entrega dos seus patrimônios mais valiosos - a "velharia" que atrapalha o crescimento das cidades, o "mato improdutivo" que barra o crescimento do agronegócio, dos serviços públicos básicos e estratégicos processados como "cabides de emprego" e os servidores como "privilegiados".</p>
<p dir="ltr">Este é o país que coloca fogo nos seus museus. Sim, porque nos últimos anos, o Museu Nacional já é a terceira instituição pública de relevo (que eu me lembre agora!) de ensino e/ou preservação de patrimônio e cultura a ser arruinado pelo fogo: em 2015 foi o Museu da Língua Portuguesa, e em 2016 o Instituto Butantã (que já sofrera outro incêndio em 2010). Acidentes acontecem, mas quando se tem verba para se fazer manutenção, reformas estruturais, para se pagar, treinar e manter uma brigada de incêndio a postos em todos os horários, acidentes se evitam ou são controlados. Quando se retira esta verba, assume-se o risco de colocar tudo abaixo.</p>
<p dir="ltr">Nos últimos anos culpou-se a "crise" pelos cortes em todos os setores do serviço público, sobretudo através da PEC 241, que congela os investimentos em ciência e educação por 20 anos. É apenas um projeto saído do Planalto para formalizar uma velha política de desmonte da educação pública e das instituições de pesquisa - o caminho que eu vejo para um Brasil com autonomia. Os cortes, além de atender a interesses privatistas (além de anular qualquer possibilidade de crescimento e desenvolvimento tecnológico proprios, que não passem por escritórios de patente ou grandes fornecedores de bens de valor agregado estrangeiros, temos conglomerados educacionais salivando pelas nossas universidades), servem principalmente para se pagar dívidas contraídas junto a bancos. Bancos que, contraintuitivamente, tem suas dívidas bilionárias com o mesmo governo perdoadas. Enfim, a PEC passou porque a sociedade, quando muito, ficou "triste", pq ela é boba e feia. Ou nem ligou. Ou achou ótima. A comunidade científica alertou desesperadamente para o desastre a ouvidos moucos.</p>
<p dir="ltr">Cada um desses foi conivente com a destruição do Museu Nacional. Aconteceu o que era o esperado, e haverá quem até mesmo o desejasse. "Para que gastar dinheiro pra colecionar bichinhos quando tem tanta miséria na África?". Quem nunca leu algo parecido (de alguém que, invariavelmente, tampouco se importa com quem morre de fome)?</p>
<p dir="ltr">Por isso, não muito diferente do "bárbaro" Estado Islâmico (escrevi isso antes da UNESCO emitir a nota comparando a tragédia do Museu Nacional à destruição das milenares ruínas de Palmira pelo IE), somos um país que ateia fogo aos seus museus. Temos ojeriza à nossa História e aversão ao verdadeiro progresso. Antes tivéssemos vergonha, porque motivo não nos falta (quando se apontam esses motivos, surgem vozes falando em "doutrinação esquerdista" ou a idiotice que for... a ojeriza). </p>
<p dir="ltr">O Museu Nacional representava não só um centro de pesquisa de ponta em ciências naturais, antropologia e arqueologia (e ainda será, porque as pessoas que o fazem assim continuarão trabalhando do jeito que der), mas tinha 200 anos de História nossa lá dentro. Era algo que nos unia e nos definia como nação, porque tudo que foi feito dentro dele, os estudos e as exposições, objetivavam o nosso crescimento e o bem comum. Era tão importante que eu senti como se o Brasil tivesse acabado ontem à noite. Como Constantinopla foi para o mundo romano, o último bastião de civilidade, onde se fazia a ponte entre o que fomos, o que somos, e trabalhava-se pelo que poderíamos ser.</p>
<p dir="ltr">Vamos jogar por terra quantos mais museus, universidades pudermos, até que as pessoas enxerguem que foram feitas de mão de obra barata ou reserva internacional de trabalho, que estão ficando pobres porque estão entregando o fruto do seu trabalho a algum Barão estrangeiro, que não tem o que comer porque a terra não produz mais (e a que produz está ocupada com commodities para exportação, já que o mercado interno não terá mais valor, e não alimento), que elas não sabem mais fazer nada sozinhas porque não tem mais quem as ensine. Quando nos <u>d</u>ermos conta de que voltamos a ter uma indústria incipiente e pouco competitiva, uma economia frágil e dependente da especulação financeira, quando a fome tornar novamente impossível a vida no interior e tornar os abismos sociais no meio urbano tão maiores que a violência será incontrolável, e a infraestrutura de maneira geral, por pura incapacidade técnica, finalmente sucumbir. Alguém haverá de se dar conta de que queimamos o Museu Nacional.</p>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-64240325415328388822018-02-28T12:31:00.000-03:002018-02-28T12:31:54.170-03:00O que é o homem?Tenho sido homem e heterossexual por quase 40 anos, sexualmente ativo por mais ou menos metade desse tempo, bem casado há 6 anos e com um filho. Por mais que eu tenha me envolvido emocionalmente com mulheres, a ponto de estar na mesma relação há 13 anos, o nascimento do meu filho me revelou algo que eu não conhecia: é a primeira experiência que eu tenho de amor pleno por outro ser humano, um amor incondicional, porque o que aquela coisinha gorda poderia me oferecer como recompensa pelo meu esforço como pai? O amor conjugal passa pela expectativa de troca - sexo, companheirismo, diversão; o amor do filho para os pais é algo que surge como uma obrigação moral pelo empenho dos pais nele por toda a sua vida; o amor do crente por Deus passa pela expectativa de recompensa nesta vida ou na outra. O amor do pai pelo filho não tem nada disso.<br />
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Como experimento esse amor assexual por outro ser humano (e como, respeitando a condição de gravidez e do resguardo, passei um longo tempo sem relações com a minha esposa), e tenho sido tão feliz, passei a me questionar sobre o papel do sexo na vida do homem: como ele é importante, mesmo sendo não tão bom quanto a gente quer acreditar que seja.<br />
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O homem é um ser hiperssexualizado, no sentido em que sua biologia e a sua sociedade lhe impõe um papel de reprodutor. O sexo é o pilar central de toda a sua vida até a indefinida idade em que sua potência diminui, mesmo que ele não se relacione sexualmente com outros.<br />
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No entanto, o sexo para o homem é algo frustrante: um exercício físico que resulta em 5 segundos de orgasmo, restando o cansaço e a sensação de que poderia ter sido melhor. Não é como a mulher, que tem a capacidade de passar vários minutos gozando e ter orgasmos seguidos (muitos homens nem sequer acreditam que mulheres atinjam o orgasmo!), muitas vezes sem excitação clitoriana (o homem depende muito da cabeça do pinto para sentir prazer físico numa relação sexual, porque não sabem ou preferem ignorar que um ponto de alto prazer no seu corpo é a próstata, alcançada apenas com penetração anal).<br />
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A maior parte da excitação vem do "<i>thrill</i>" da situação, principalmente quando se trata de uma conquista nova, ou quando o casal experimenta alguma novidade, mas o orgasmo do homem é isso aí. Tem quem goste, mas "gostar" pode ser resultado de uma construção, porque se isso é o melhor que seu corpo pode fazer, então é melhor "gostar" do que temos para hoje. Porém, a frustração do sexo leva muitos, MUITOS homens a buscar aquilo que falta com a sua/seu parceira(o), ou com outros, passando a vida pulando de cama em cama em busca de uma experiência orgástica biologicamente impossível.<br />
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E os resultados dessa frustração e dessa busca (frustrada) são:<br />
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<li>A típica distância emocional nas relações que o homem tem com os outros, especialmente com seus parceiros amorosos; se o homem não se satisfaz na cama, ele reluta em se entregar emocionalmente a(o) parceira(o);</li>
<li>Dificuldades de relacionamento e depressão, pela pressão que lhe é imposta pela sociedade patriarcal para ser o macho alfa, o comedor, o garanhão, estar sempre pegando alguém, enfim, e isso afeta especialmente os tímidos (que associam uma vida conjugal e/ou sexual como o ideal de felicidade, tornando-se emocionalmente dependentes) e os homossexuais;</li>
<li>Violência conjugal (física ou psicológica), pois muitos, MUITOS homens punem suas parceiras e parceiros pelo sexo ruim. Essa violência pode se estender ao círculo social do homem como um todo, mas visto como muitos homens socialmente bacanas mantém relacionamentos abusivos, a coisa é direcionada a quem ele culpa.</li>
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O homem é essa criatura infeliz, que preenche um vazio existencial imprimindo, buscando posições de comando e poder, influência e notoriedade numa sociedade construída por homens que lhes dá espaço de manobra para compensar suas frustrações sexuais em detrimento da felicidade alheia.<br />
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Se tem algo que eu possa dizer aos outros homens para que fiquem em paz consigo mesmos e parem de encher os outros com seu ego, digo isto: tenham filhos, e cuidem deles, experimentem todos os momentos que puderem juntos, e contemplem o que é o amor verdadeiro. Ou não tenham, mas sejam honestos consigo mesmos e ajudem a desmontar esse sistema, que não faz bem a ninguém.<br />
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P.S.: alguém há de questionar "Ah, mas e as mulheres...?". Desculpa, eu não sou mulher.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-5000352761209182072017-01-02T13:33:00.002-02:002017-01-02T13:33:23.000-02:00A morte na era da pós-verdade (contém spoilers de filmes no fim)Porque 2016 foi um ano tão infeliz para a humanidade e 2017 até agora não dá sinais de que será muito diferente (bastaram alguns minutos da virada do ano novo para um <a href="http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/01/01/autor-de-chacina-em-campinas-escreveu-carta-sobre-seu-plano.htm">cidadão de bem</a> assassinar ex-mulher, filho, e mais uma dezena de pessoas em Campinas, e <a href="http://www.bbc.com/portuguese/internacional-38483126">outro metralhar uma centena numa boate em Istambul</a>... sem falar em alguns prefeitos do apocalipse começando os trabalhos no dia de hoje), vou arriscar falar sobre a morte, especificamente um aspecto bastante confuso e sombrio dela, sobre como a nossa relação com a morte está mudando radicalmente.<br />
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Para começar, eu me assumo taoísta, o que significa que a morte, para mim, é como se fosse a dispersão de toda a matéria e energia em direção à sua origem, que é o próprio Universo. O que, em termos práticos, não é muito diferente do aspecto biológico do fim da vida de qualquer organismo: ele é reabsorvido e transformado pela biota e elementos naturais, e tudo que o compunha é reintegrado à terra, ao ar e aos que se alimentam disso. Ou seja, a morte é não apenas a cessação de funções vitais, mas seria também a cessação da individualidade - se tudo que compõe o organismo, e consequentemente o indivíduo, começa a se dispersar no momento da morte, também essa individualidade desaparece. Imagine que você morre na selva e seu corpo repousa sobre o folhiço úmido. O que resta de você - seu corpo, embora já entrando internamente em colapso - está ali, mas não demorará muito para que fungos, insetos e bactérias transformem você no mais novo restaurante fast food da floresta, e cada pedacinho do que você já prezou como seu estará no estômago ou vacúolo de milhões de outros seres, serão processados e entrarão na construção dos seus próprios corpos. No clima úmido, até seus ossos - o esqueleto que instintivamente reconhecemos como tudo que resta da existência humana após a morte - serão desfeitos. O que existia da sua individualidade física não existe mais. Aí entram elementos de fé - a de que há um espírito ou alma, "anima" em latim, que, dependendo da crença, serve para fazer a matéria funcionar de maneira coerente, ou até pode ser a matriz imortal de toda a existência, sendo o corpo apenas um traje temporário. A diferença no taoísmo é que a alma, se existe, também se dissolve e "retorna ao Tao" para ressurgir como outras coisas, integrando novas individualidades. Se alma não é matéria, admitindo então que ela seja energia, ela deve se dispersar, como objetivamente dispersa-se a energia contida nas ligações químicas que são quebradas nos processos de decomposição. A alma, assim, pode até ser eterna (se você considerar que, ao "regressar ao Tao" e ser reabsorvida pelo universo, ela não desaparece, mas se torna uma mínima parte de tudo), mas não tem carteira de identidade.<br />
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Dito isso, eu ressalto que a minha relação com a morte é de quase indiferença. Sinto compaixão e respeito, até reverência se acho adequado, mas não sofro pelos que se vão, independente do vínculo - o que me causa problemas quando preciso lidar com alguém que está sentindo esta dor. Porém, entendendo outras maneiras de se encarar a mortalidade (que tem a ver com a noção de imortalidade da individualidade na forma de uma "alma" identificável que permanece em algum lugar após a morte), conheço e entendo como as pessoas lidam com isso. O luto, a necessidade de se preencher (ou preservar) vazios emocionais, a idealização do falecido, a angústia tornada esperança de encontrar na fé uma maneira de se religar aos que se perderam. Mas seja como for, a morte é encarada na maioria das sociedades, mesmo nas que creem na reencarnação (os hindus e os budistas, apesar de acreditarem, a seu modo, na permanência do espírito, também pranteiam seus mortos em funerais), como o fim da existência física.<br />
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Indo finalmente ao ponto. A internet evoluiu para ser uma imensa central planetária de relacionamentos, onde todos estão potencialmente em contato com todos, e esse contato é estabelecido com a troca de mensagens, fotos, vídeos, anúncios comerciais, produções artísticas, etc. Dependendo das regras de hospedagem, tudo que é postado fica acessível para a posteridade. Mesmo intensamente dinâmica, a internet, assim, é um depositário de documentos do passado. <a href="http://www.sciencefocus.com/qa/how-many-terabytes-data-are-internet">Em 2013 estimava-se que apenas Google, Microsoft, Amazon e Facebook somavam 1,2 bilhões de gigabytes de dados armazenados</a>. A World Wide Web hoje possui <a href="http://www.livescience.com/54094-how-big-is-the-internet.html">cerca de 10^24 bytes de capacidade total de armazenamento</a>, ou seja, muito mais cabe aí dentro. Duas características curiosas marcam a relação das pessoas com a internet, derivando daí uma terceira. A primeira: muito do que se escreve é redigido no tempo presente, sejam notícias, artigos, tweets, e-mails pessoais ou corporativos, o que faz sentido no momento em que são escritos. Mas são armazenados na "memória" da internet no tempo presente, de maneira que um post de um blog sobre uma crise existencial de um internauta qualquer nos idos de 2004 pode alarmar um leitor compassivo de 2017, se ele não atentar para a data da postagem. E era uma trollagem comum nos tempos de orkut "upar" tópicos muito antigos para instigar discussões acaloradas entre os mais distraídos, quando a discussão já havia encontrado um termo, o criador do tópico já nem lembrava do que havia escrito, ou nem sequer estava mais ativo na rede. Sites como o <a href="http://www.e-farsas.com/">E-Farsas</a> existem porque pessoas desavisadas compartilham histórias (muitas vezes falsas ou descontextualizadas), não datadas, pensando estar compartilhando grandes novidades. Por estar massivamente registrada em tempo presente, o que existe na internet soa permanentemente atual.<br />
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A segunda característica é o formato digital dos documentos. Livros e cartas também são escritos no tempo presente, ou pretendem falar do tempo e do espaço em que seus autores estavam inseridos, mesmo no campo da ficção. Mas o papel envelhece. O texto digital não. É possível examinar uma carta e determinar, pela caligrafia, pelo material, pela tinta, a época em que foi escrito - as fichas catalográficas dos livros tem as datas da primeira publicação e da edição presente - e essa datação nos ajuda a colocar mentalmente o documento no tempo pretérito. Um documento digital da WWW de 1995 é, em aparência, similar a um de 2016, e, se ele não estiver devidamente datado, seria preciso mais do que a habilidade de upar fotos de gatos para saber a data de criação daquele arquivo específico. Antes de postar qualquer coisa mais elaborada, eu escrevo meus textos no bloco de notas do Windows, que conserva um ar de anos 90, o que torna páginas antigas aceitavelmente familiares para mim. Então tudo tem cara de novo, ou, no máximo, "vintage".<br />
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Então a internet está repleta de documentos "atuais". Só que esse conteúdo todo é produzido por pessoas, e as pessoas morrem. A internet como conhecemos existe no Brasil há quase 22 anos, é um tempo que excede a maioridade aqui no país. Muita gente morreu nesse período. Muita gente nasceu E morreu. Se um internauta produziu alguma coisa e o servidor em que se hospedava continua online, o que ele produziu é facilmente acessível em mecanismos de busca. Se ele produziu um texto pessoal em 2002 falando sobre como o seu cachorro late muito de madrugada, e ele, o usuário, morreu em 2004, então temos um texto pessoal, em tudo atual e em tempo presente, contando-nos uma novidade na sua vida, vindo de uma pessoa morta. Eu tive um amigo que se suicidou em 2013, cujo blog no Livejournal, com suas mais recentes excursões montanhistas e entreveros familiares, continua no ar. Até recentemente a página da minha ex-namorada no Facebook ainda estava lá, 5 anos depois dela morrer de câncer. Em 2001 eu batia ferozes partidas de batalha naval online com uma senhora de 59 anos que hoje teria 74, idade na qual muitas pessoas já morreram de "velhice". A internet é povoada de gente morta que, graças ao formato e ao conteúdo, se comunica conosco em tempo presente, muitas vezes sem sabermos. A morte, o fim da existência física, está deixando de ser sentida porque a individualidade, na forma de blogs pessoais e perfis em redes sociais, está sendo preservada. <a href="http://www.theloop.ca/dead-facebook-users-will-soon-outnumber-the-living/">Aqui </a>foi feita uma estimativa de cerca de 10273 usuários do Facebook morrem por dia, e que desde a sua criação, os mortos já somam cerca de 30 milhões - em 2130, a quantidade de perfis "mortos" superará a de usuários vivos. <br /><br />A morte física está deixando de ser motivo de luto, e está lentamente se tornando parte do espetáculo - até literalmente, com a ocorrência cada vez mais numerosa de suicídios anunciados ou transmitido em redes sociais, para entretenimento de um público assustadoramente insensível ao sofrimento alheio. A derrocada de Amy Winehouse, culminando com a sua morte, foi intensamente coberta pela imprensa e compartilhada, passo a passo, pelas pessoas na rede, constituindo assim no maior e mais longo suicídio assistido de que eu tenho conhecimento.<br />
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Uma terceira característica das interações humanas na internet é a sua superficialidade. Ninguém realmente conhece ninguém, e mesmo amigos pessoais que não se veem por muito tempo e mantém um tênue vínculo pelas redes sociais, acabam flutuando de volta até essa camada superficial, porque na maior parte do tempo essas redes suprem a necessidade de contato, interação, sensação de pertencimento e aceitação, enquanto estamos ocupados trabalhando e produzindo. As pessoas exibem e se relacional com a superfície; as fotos felizes, intencionais e com os melhores ângulos, os textos impessoais e protocolares, a colagem de opiniões alheias (e a fuga do debate). Ninguém se dá ao trabalho de elaborar um pensamento ou opinião, porque ninguém lê "textão" (ah, eu e o criador do Twitter sabemos bem disso!) A era da "pós-verdade", em que mentiras e boatos que se adequam a padrões de pensamento e ideologias específicas são mais prezados do que dados e fatos, mesmo tendo consciência da mentira. Pessoas chegam a ser tão superficiais que é difícil entender o que elas querem dizer com tantas meias palavras, são tão agressivas contra o que se opõe e não elaboram o que defendem, o que acreditam. Essa superficialidade amortece qualquer sentimento de empatia, e facilita o surgimento de comportamentos hostis que os códigos sociais da sociedade pré-internet reprimia - este fim de semana <a href="http://ego.globo.com/famosos/noticia/2016/11/bruno-gagliasso-da-queixa-de-racismo-contra-filha.html">houve uma segunda onda de ofensas raciais</a> à filha de um casal de atores, que, por Deus, tem só 2 anos de idade! E também, voltando ao assunto, banaliza a questão da morte, que pode facilmente virar motivo de piada - mesmo piadas insistentes, os memes, das quais nem a criança síria fotografada morta na praia escapou.<br /><br />A morte como parte do espetáculo - e, ta-da, o que me levou a escrever sobre isso - não é matéria para um futuro distópico contra o qual devemos nos prevenir para evitar. Isso já está tão naturalizado que nem sequer é uma novidade no mundo do cinema: usar a imagem de atores falecidos em obras cinematográficas inéditas é uma prática que vem do cinema em preto em branco. Na década passada O Homem de Aço trouxe um Marlon Brando digital dos mortos para reviver o papel de Jor-El, o pai do Super-Homem, papel vivido por ele em 1979. Recentemente, em Rogue One, de 2016, a Disney, proprietária da franquia Star Wars, escalou Peter Cushing, ator britânico morto duas décadas atrás, como Grand Moff Tarkin, o sombrio oficial imperial que comanda a Estrela da Morte. Seu rosto e porte físico foram recriados em computador e dublados, e não apenas para uma participação especial, mas desempenhando um papel significativo na tela. A Disney é dona dos direitos sobre o personagem, e aparentemente sobre a sua imagem, precisando apenas da autorização da família do ator para fazê-lo, o que permitiu que ela inserisse ali também uma Carrie Fisher 40 anos mais jovem. Assisti o filme na antevéspera da morte da atriz, e soube que ela já havia gravado suas cenas para o próximo Star Wars, garantindo assim que o próximo grande lançamento da série contará com uma estrela morta num papel central de um filme inédito - e a única coisa que impede o estúdio de usá-la indefinidamente em filmes vindouros como a Princesa Léia é a assinatura num papel. Ela ter morrido se tornou irrelevante do ponto de vista prático.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-32852556829136581342016-09-12T10:47:00.000-03:002016-09-12T10:47:15.906-03:00Jornada de TrabalhoMeu pitaco sobre o lance de permitir ao empregador acertar com o empregado a distribuição da sua jornada regular de trabalho em turnos de 12 horas diárias. Para isso, vamos supor que a chefia acertou comigo que meus turnos passariam a 12 horas diárias - afinal, eu sou bolsista, e o único direito trabalhista que eu tenho é o de pedir para cancelar a minha bolsa.<br />
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"A jornada semanal vai continuar a mesma, no final não muda nada."<br />
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Eu trabalho 40 horas semanais, 8/5. Meu trabalho é 100% intelectual, ou seja, fico sentado na frente de um computador resolvendo diversos tipos de problemas. Na verdade, divido meu trabalho em três ou quatro funções principais.<br />
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A primeira, de revisão e qualidade de dados, consiste de percorrer com os olhos planilhas de dados com até 11 mil linhas em busca dos erros mais grosseiros aos mais sutis, pelo menos 16 vezes (são as categorias de dados que precisam de revisão), ou seja, meus olhos precisam passar por até 176 mil dados que variam entre nomes de pessoas, localidades, coordenadas geográficas, datas, nomes científicos, e uma variedade de informações alfanuméricas que, pela natureza da origem, não são padronizados. Uma vez encontrado um erro, preciso recorrer à imagem da planta de onde o dado foi capturado para ver o que é o correto. Frequentemente esse dado é uma assinatura ou rubrica que demanda a consulta a bases de dados online, cruzando informações que normalmente são esparsas, torcendo para que alguém tenha capturado aquilo algum dia - e interpretado a caligrafia corretamente. Aqui é a visão e a concentração que são exigidas.<br />
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Além disso, eu percorro uma equipe de 14 pessoas, estabelecendo com eles as diretrizes de trabalho, orientando dúvidas específicas, anotando problemas e sugestões a serem discutidas com a chefia ou o TI, e mantendo a moral elevada, e assessorando em situações diversas. É onde a memória e a agilidade e precisão em consultas precisam ser eficientes.<br />
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Um terceiro aspecto é que eu alimento nossa base de dados de nomes científicos. Cada vez que uma espécie precisa ser capturada, mas ela não está na base, é minha função incluí-la. Mas por questão de curadoria, temos restrições quanto a táxons ilegítimos e inválidos, então a cada nome a ser adicionado, eu preciso fazer uma pequena revisão taxonômica relâmpago, que inclui, frequentemente, a consulta às obras <i>princeps</i> (que, se eu der azar, vem escrito em línguas que não o latim, como sueco, holandês, ou dinamarquês). As bases de dados que eu consulto nem sempre indicam o status taxonômico de um nome, então a necessidade desse tipo de pesquisa surge o tempo todo. Para se ter ideia, pessoas fazem teses de doutorado com esse tipo de trabalho, e revistas normalmente aceitam revisões de uma espécie, que eu preciso revolver em minutos para dar andamento ao trabalho. Em mais de uma vez, já precisei adicionar mais de 200 nomes novos na base em um dia (fazendo minha contagem, só com o meu login atual, ultrapassei os 11 mil nomes de famílias, gêneros, espécies e táxons infraespecíficos, sem contar os que eu pesquisei e atestei a invalidade do nome, que não estava indicado nas fontes de consulta, e não adicionei). Essa parte exige o que meu raciocínio pode fazer de melhor.<br />
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Uma quarta parte inclui lidar com pessoas fora da equipe - o pessoal do TI, a chefia, parceiros do Brasil e do exterior (enviando ou recebendo dados, ou tirando dúvidas), a coordenação com outros pontos da nossa "cadeia produtiva" para evitar gargalos, e uma ou outra demanda dos pesquisadores da casa. Além de atualizar e monitorar <a href="https://www.facebook.com/projetoreflora/">a página do facebook do projeto.</a><br />
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Isso em 8 horas diárias, 5 dias da semana. 40 horas semanais.<br />
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"Se fizer turnos de 12 horas, vai trabalhar só 3 dias e mais 4 horas num outro, e vai folgar três mais um dia quase inteiro. Aí eu vi vantagem."<br />
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Meu trabalho exige 100% da minha capacidade mental em 100% do tempo. Não só o desempenho da minha função depende disso - porque se eu aliviar, o volume de trabalho por fazer se acumula demais, e para se ter ideia, um problema de TI impediu que eu revisasse planilhas por um mês, e eu só consegui colocar esse trabalho em dia 4 meses depois - como toda a produção da minha equipe depende disso. Chegamos a informatizar coletivamente 1400 espécimes por dia (sem que a equipe toda esteja trabalhando, pois como eles cumprem 20 horas, seus horários são intercalados). É um pequeno herbário por semana, e tudo isso precisa de orientação, assessoramento e revisão antes de ser colocado online.<br />
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Entenda que é um trabalho que me dá muito prazer, porque toda pequena dúvida ou problema solucionados me dão uma sensação de um pequeno orgasmo mental, a impressão de que o cérebro cresceu mais um pouco. Poucas vezes eu me senti tão foda como quando eu descobri onde fica o tal "Sertão d'Amaroleité", uma localidade em que naturalistas europeus coletaram no século XIX e que a literatura botânica nunca conseguiu precisar. A relação entre geografia e sua contextualização histórica (porque lidamos com 250 anos de coletas de plantas no Brasil, e as localidades apontadas mudam de nome, de estado, de país, e eu tenho que saber e informar onde ela fica exatamente, hoje. Cada vez que eu descubro isso, é uma felicidade. Além disso, <a href="http://reflora.jbrj.gov.br/reflora/PrincipalUC/PrincipalUC.do">a palpabilidade do que nós produzimos, e a dimensão da importância de um herbário virtual online de plantas brasileiras com quase 2 milhões de exemplares</a> mantém a minha motivação em alta.<br />
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Mas cansa. Como qualquer atividade praticada continuamente com esforço, causa fadiga. Chego à 8 ao trabalho, mas só atinjo minha velocidade de cruzeiro às 9:00. Tenho intervalos de 30 minutos de manhã e tarde, e uma hora de almoço (não contabilizada, lógico, mas que às vezes eu uso para adiantar algum serviço que ficou para trás na lista de prioridades), que servem para descansar os pulsos e os olhos. Lá pelas 16:30 eu já estou me arrastando. A planilha embaralha na vista, já não consigo encontrar informações porque não consigo mais formular as perguntas (porque na ciência, se você não souber formular a pergunta, o que você quer saber pode estar se esfregando na sua cara, e você não vê). Ou seja, tem uma janela aí de pouco mais de 6 horas em que eu consigo imprimir meu máximo. E falo pela equipe, tanto pelo que eles me falam, como pelo que eu vejo da produção deles enquanto eu faço a revisão dos dados, que eles sofrem do mesmo cansaço quando optam por cumprir 8 horas num dia.<br />
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Na hipótese de fazer isso por 12 horas, ao invés de produzir mais, eu continuaria tendo um pico de 6 horas de qualidade total, e ao invés de 1 hora e meia ou 2 de intensidade reduzida - o que, projetando para a semana, significa 30-35 horas de produção máxima e 5-10 piscando os olhos para recuperar a sua umidade natural - isso seria agora metade do meu tempo de trabalho. A minha produtividade cairia quase pela metade ao final da semana.<br />
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Isso porque é um trabalho mental. Imagine virar cimento, embalar, carregar e descarregar. Quem trabalha mesmo - não necessariamente quem tem emprego e bate cartão, mas quem emprega seu esforço físico e mental no trabalho da hora que chega até a hora que sai - sabe que não é possível manter o ritmo por muito mais tempo. E muitos já devem ter intuído que 8 horas já é demais - em países mais civilizados, a direção é pela redução da carga horária semanal para 30 ou 36 horas, porque já se notou que a eficiência do trabalhador está relacionado ao tempo em que ele consegue imprimir seu esforço no trabalho de maneira eficaz e quanto tempo ele consegue descansar ou se dedicar a outras atividades entre um dia e outro, e que no regime de 40-48 horas paga-se por um tempo basicamente ocioso em que se produz pouco e impede o trabalhador de fazer outra coisa, inclusive descansar.<br />
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Eu sei que já tem gente que trabalha 12 horas. Mas pagam-se adicionais, tem-se folgas obrigatórias. Existe todo um conjunto de leis que protegem o trabalhador<br />
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"Mas os turnos de 12 horas não serão impostos por lei. Ela apenas permitirá que patrão e empregado acertem esse regime de comum acordo."<br />
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Aí eu começo a suspeitar da ingenuidade ou da má intenção do argumento. Patrão e empregado negociam até o ponto em que o empregado seja indispensável na sua função. Se houver duas pessoas capazes de realizar um serviço, o que não aceita trabalhar nos termos do patrão corre o risco de perder o cargo para outro que aceite. O patrão tem o dinheiro, e o único capital de que o trabalhador dispõe para negociar em troca é sua força de trabalho - e como existem mais trabalhadores do que patrões, e eles detêm o dinheiro, a relação é absolutamente desigual. Vai ter muita gente aceitando isso, porque senão vai ter outro que aceite, e ele será descartado. Na minha situação, por exemplo, em que a relação trabalhista já é frágil - sou bolsista, e já não existe praticamente nada me amparando - em precisaria ser o melhor que existe na minha função para convencer minha chefe de manter a jornada em 8 horas, que já é muito.<br />
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Portanto, possibilitar a normalização do aumento da carga horária diária para 12 horas não vai gerar emprego nenhum porque não vai abrir vaga, a menos que aumentem a duração das semanas (nenhuma vaga que não seria gerada comprimindo-se a carga diária para 6 horas, por exemplo, possibilitando o funcionamento das empresas em até 3 turnos sem adicional noturno), como vai expor o empregado às exigências da empresa (a tão sonhada negociação), e vai ocasionar, muito possivelmente, uma queda geral de produtividade em vários pontos das escalas produtivas. Quem propõe e defende esse tipo de coisa:<br />
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1- É empregador e não tem contato direto com seus funcionários;<br />
2- Nunca trabalhou na vida;<br />
3- Trabalha na boa, fazendo um ou outro serviço pontual e ficando boa parte do dia de bobeira - acha que "capinar um lote" é trabalho duro, mas nunca capinou um lote.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-80936841273609738672016-08-16T09:55:00.001-03:002016-08-16T09:55:28.189-03:00Buenos AiresAchou que depois do êxtase em Londres eu ia ficar quieto no meu canto aproveitando as memórias e enchendo a barriga de chá com biscoitos? Hah!<br />
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Pois em maio tomei coragem, uma sobressalência na minha poupança, e as libras que me sobraram de Londres, e parti com minha esposa para um fim de semana Buenos Aires! Dessa vez, apenas para fazer turismo, muito embora, por não estar em férias nem aproveitar o feriadão, pois fui na semana anterior a Corpus Christi, quando passagens e estadia estariam bem mais caras, contasse apenas com dois dias para fazer tudo. Então comecei decidindo que o voo deveria chegar lá o mais cedo possível numa sexta, e sair o mais tarde possível (pensando em termos de transporte quando chegasse no Rio) no domingo. Então chegamos lá numa sexta de manhã.<br />
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Optei por um voo da Aerolineas Argentinas que chegasse às 9:00 no Aeroparque. O Aeroparque é um aeroporto pequeno próximo ao Centro, uma distância que poderia ser vencida a pé (de táxi foram 20 minutos, talvez). A maioria dos voos desembarca no Ezeiza, aeroporto internacional de maior porte, mas muito na periferia da cidade. Para quem conhece o Rio, é exatamente a diferença, de tamanho e distância, entre o Santos Dumont e o Galeão. Na chegada ao aeroporto, você passa pela imigração. Com um documento de identidade com foto, você recebe um papel com o carimbo autorizando a sua entrada no país, mas tem o inconveniente de que você não poderá perder esse papel (parece uma notinha de supermercado), pois poderá precisar dele mais tarde. Levando o passaporte, você recebe o carimbo, e isso é útil quando você se apresentar à imigração de outros países no futuro, para mostrar que você tem idoneidade (não é um quesito objetivo avaliado na maioria das vezes, mas pode fazer o oficial ter boa vontade com você).<br />
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Na saída da área de desembarque você passa por um posto do Banco da Argentina, onde se pode comprar pesos. Fala-se muito das casas de câmbio e do câmbio negro (passei pela Calle Florida, onde a cada 5 metros tem alguém gritando "cambio!", de maneira tão natural que colocaram esculturas decorando a rua com borboletas de ferro onde de lia a palavra "cambio" nas suas asas), mas sou quadrado e fiz tudo da maneira legal. O táxi, cuja viagem foi tão curta, ficou salgado. O Uber em BA cobra metade do valor dos táxis pretos e amarelos.<br />
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Eu reservei um quarto no <a href="http://www.rochesterconcept.com.ar/">Rochester Concept</a>, no chamado Microcentro. Como fiz em Londres, mapeei tudo que eu queria ver na cidade, medi distâncias, avaliei custos-benefícios, praticidade (presença de farmácias, restaurantes, lojas de conveniências, mercados), acesso ao transporte, comentários sobre a segurança aqui e ali, etc. O Rochester encaixou-se perfeitamente nas nossas pretensões e no nosso orçamento. Cheguei tão cedo que teria que esperar ainda 5 horas para dar entrada no hotel, então deixamos a bagagem lá guardada e fomos dar uma volta.<br />
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Um evento que seria central na viagem era o Cirque de Soleil, cujo espetáculo Kooza estava na cidade. Então saí com minha esposa para um café da manhã modesto (eu perdi, na Calle Florida, a cafeteria que eu tinha mirado enquanto planejava a viagem, e acabamos num Starbucks). De lá fomos para Puerto Madero, onde, numa longa caminhada, passamos pelo bairro reconstruído onde antes eram armazéns e indústrias ligadas ao porto. Agora, edifícios residenciais enormes e lindos (volto a isso depois), e praças e parques sem fim dominam a paisagem. Puerto Madero é uma ilha separada da cidade por um canal, e no seu lado oposto há uma reserva ecológica, uma avenida que a margeia, e um calçadão, com estátuas de esportistas argentinos notáveis e traillers com comida de rua. O Cirque ficava quase no fim dessa rua; fomos até lá cedo para ver se a bilheteria funcionava, mas não. Já que não deu certo, e chegava a hora do almoço, paramos para comer um choripán (pão com linguiça). De Puerto Madero, seguimos para San Telmo, bairro antigo onde chegamos ao adorável monumento em homenagem à Mafalda. De lá subimos pela rua Defensa em direção ao hotel, na Calle Maipú, passando perto da Casa Rosada.<br />
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Demos entrada, descansamos um pouco, achamos um ponto de venda, e conseguimos os ingressos para o Cirque. O espetáculo foi o melhor que eu já vi, e eu vi quase todos que vieram ao Brasil, graças aos contatos da minha esposa (foi a primeira vez que eu comprei ingressos para o Cirque). Fomos de Uber, mas voltamos novamente a pé. À noite, todos os restaurantes de San Telmo pareciam estar exibindo algum show de tango, pelo que se ouvia da calçada. Subimos pela 9 de Julio, antigamente a avenida mais larga do mundo - os canteiros entre as pistas largas são verdadeiros parques, e você pode demorar uns 2 minutos para atravessar ela inteira, sem contar o tempo de esperar o sinal fechar, porque ele vai fatalmente abrir enquanto você atravessa, tão grande é a distância de uma calçada a outra. A avenida excentricamente larga, contudo, permite que esse, que é o centro nervoso da cidade, tenha um cenário aprazível; ao invés de prédios colados uns nos outros e com vistas uns para os outros, e uma sombra eterna lá embaixo, vê-se o céu e o horizonte, e um panorama de parte da cidade do ponto mais alto da avenida. As avenidas Paulista e Presidente Vargas parecem claustrofóbicas e deprimentes em contraste.<br />
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Um adendo oportuno: a opção de estruturação urbanística de Buenos Aires contrasta muito com as de Rio de Janeiro e São Paulo. Enquanto nas capitais brasileiras, vale tudo para se aproveitar ao máximo o espaço e acomodar o máximo de pessoas possível no menor espaço possível, com todas as consequências para a mobilidade urbana que isso causa - ruas estreitas e excessivamente engarrafadas, transporte público cronicamente insuficiente, cenários fechados, ocupação desordenada, arquitetura meramente utilitária, poucos espaços públicos aprazíveis - em BA optou-se pelo bem estar dos habitantes. A cidade é dividida em quarteirões de tamanho regular, o que resulta em ruas perfeitamente paralelas que vem e vão e são interconectadas por transversais, dando opções e minimizando afunilamentos no trânsito (sem falar na malha metroviária, que conta com 103 estações e 7 linhas, além de 6 linhas de trens interurbanos que chegam à cidade em mais de uma estação terminal). Até para a ordenação dos endereços a regularidade dos quarteirões é totalmente adequada - cada quarteirão, com aproximadamente 110 metros de lado, compreende 100 números. Há grandes espaços abertos onde, no Brasil, a especulação imobiliária forçaria à sua transformação em condomínios ou edifícios comerciais. E mesmo onde isso aconteceu, como em Puerto Madero, houve a preocupação de transformar o novo bairro num "bairro-parque", convidativo e acessível, até mesmo para pessoas de baixa renda (existe mesmo uma favela na ilha, e os moradores desfrutam dos mesmos espaços públicos dos "novos ricos"). Sem falar na conservação da arquitetura do século XIX e início do século XX e no apreço pela arquitetura moderna, em contraste com os horríveis caixotes de concreto bege que se acotovelam colados uns nos outros nos bairros mais nobres do Rio. É uma cidade bonita de se olhar em todos os aspectos.<br />
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No dia seguinte tomamos o café da manhã do hotel (que dizem as avaliações ser meio pobrezinho, mas como eu sou mais pobrezinho ainda, estava de muito bom tamanho) e seguimos com destino ao Jardín Japones, em Palermo. A mais de 6 km dali. A pé de novo. Mas como íamos a pé, tracei algumas paradas bacanas: a Praça San Martin, a maravilhosa livraria El Ateneo (montada num grande teatro erguido há quase 100 anos), uma parada para um café e sanduba numa Havana (não podia faltar), supermercados (para comprar alfajores!), e o Jardim Botânico (muito modesto mesmo diante de alguns parques públicos locais). O Jardim Japonês é pago, mas é um lugar realmente belíssimo, onde transparece um cuidado minuciosíssimo com as plantas, na questão da jardinagem e do paisagismo. E pegamos ainda as folhagens coloridas do outono, então o cenário era de tirar o fôlego - fôlego que precisávamos para voltar tudo de novo.<br />
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Nesse dia, enquanto caminhávamos pela longa Avenida Santa Fé, reparamos nas fachadas dos prédios, dos mais antigos aos mais modernos, sempre elegantes e bem acabadas. Ao longo da avenida, os prédios são desses com comércio no térreo. No Rio, as portarias desses prédios são quase secretas, muitas vezes você precisa procurar bem uma portinha modesta entre uma loja e outra, levando a um corredor quase sempre escuro; em BA, as portarias dos mesmos prédios são lindíssimas, parecem portarias de hotel, convidativas, iluminadas, acarpetadas, com portas largas, e todos os detalhes em metal absolutamente bem conservados (muitos possuíam painéis de interfone de latão dourado, com ar de anos 30, perfeitamente polidos). Em Palermo, olhando para cima e vendo a beleza da vizinhança, com suas varandas floridas e fachadas lindamente bem acabadas, pensei que se tratava de uma região para famílias de alto poder aquisitivo, e me perguntei onde morava a classe média (o que seria o Méier de lá, por exemplo). Aí olhei para os carros estacionados na frente dos prédios: carros populares, Gols e Palios, com aquela batidinha na traseira. A classe média mora ali!<br />
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Falando em classe, me chamou a atenção não tanto a presença de moradores de rua, o que eu vi até em Londres, mas a sua idade: eram muitos idosos, <i>abuelitas </i>sentadas no frio pedindo esmolas ou comida de cortar o coração. Ao passo em que aqui se abandona a juventude, lá me pareceu que o sistema marginaliza os idosos. Me pareceu que há uma negligência do sistema previdenciário, que não é capaz de prover o mínimo para o idoso. Aqui, tenho uma avó que vive com um salário mínimo, mas graças aos serviços públicos da sua cidade, tem uma casa bonita, com quintal, e vive bem sozinha. Também chama a atenção a "cor": quase todos com ascendência indígena, provavelmente imigrantes do interior que não tiveram sorte na capital, dominada por descendentes de europeus, enredo muito familiar nas metrópoles brasileiras.<br />
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Na volta para o centro, com o cansaço batendo pra valer, eu considerei usar o metrô para voltar ao hotel, mas descobri que não se vende bilhetes na bilheteria :P Tudo funciona com cartão magnético, adquirido nas casas lotéricas, e onde eu acharia uma lotérica em BA num sábado à noitinha? Mas tudo coopera para o bem, porque andando mais um pouco, esbarramos numa churrascaria, a Parrilla Aires Criollo, onde enfim comi o bife de chorizo com papas fritas. Minha esposa ficou com uma milanesa de frango (outra especialidade da cidade, um filé de sobrecoxa batido até ficar do tamanho do prato, mas ainda assim suculento e com um tempero que eu não consigo reproduzir em casa). O meu pedido foi, na verdade, "meio bife", o que significava um filé gordo de 300 g. Isso e a porção de batatas que dividimos foi mais que o suficiente para o jantar. Batemos o prego no hotel e a noite acabou ali. Bife de chorizo é melhor que picanha, prontofalei.<br />
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Na manhã seguinte tomamos café e pegamos o Uber para o aeroporto. Lá, finalmente, comemos uma empanada. É vital para quem vai a BA comer um choripán de rua, um bife de chorizo com papa frita, uma empanada, uma medialuna - a tradução castelhana para "croissant" - além de doce de leite e alfajor, que compramos em quantidade no supermercado do mais barato que tinha. Só faltou a pizza, já que as pizzas artesanais também são muito cotadas (mas talvez não tão divulgadas aqui, porque em todo lugar se come pizza no Brasil, e todo mundo acha que a pizza local é a melhor do mundo, inclusive a pizza de bosta do carioca). A empanada do aeroporto provavelmente não era a melhor da cidade, mas como é algo que minha mãe faz em casa em nível de excelência (com uma receita chilena, é verdade), achei essa amostra respeitável.<br />
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Além dos lugares que eu fui, há muitos museus com entrada franca na cidade, e de fato, grande parte das obras dos maiores expoentes da arte da América Latina, incluindo o Brasil, faziam parte de acervos de colecionadores argentinos, e hoje estão nos museus na cidade. Para quem curte uma cultura alternativa, tem a Recoleta, que eu apenas tangenciei, que é uma espécie de "Lapa" plana e colorida. Há muito mais o que se ver, saindo do raio do "caminhável" a partir do Microcentro, como Boca, Tigre, San Isidro, e mesmo para quem quer expandir mais, é possível pegar um barco até Montevideo ou Punta del Este. Fazendo uma avaliação de preços, os custos de alimentação em BA são bem parecidos com o Rio de Janeiro, convertendo-se os valores em reais. Os únicos ítens que são obviamente mais baratos, por causa da oferta farta, são os alfajores, os chás, as geléias e laticínios, que é o que vale a pena trazer na mala. Como foi o que eu fiz, esses 825 reais (cuja metade foi embora nos ingressos para o Cirque du Soleil!) acabaram suficientes para um casal com disposição e sem grandes pretensões passar bem dois dias e meio na cidade aproveitando o bom e o barato e voltando para casa com a mala cheia de guloseimas portenhas - cansados mas felizes.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-35036197060668254492016-04-21T17:00:00.003-03:002016-06-28T13:02:28.952-03:00Viagem a Londres II: Turismo!Eu estive em Londres por 8 dias na última semana de fevereiro. A cidade me trouxe percepções sobre sociedade e economia que eu destrinchei num <a href="http://moninho.blogspot.com.br/2016/03/custos-de-vida.html" target="blank">primeiro momento</a>. Agora me sinto à vontade para falar de amenidades :)<br />
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Em primeiro lugar, essa viagem foi um convite do Jardim Botânico Real de Kew, parceiro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro no projeto <a href="https://www.facebook.com/projetoreflora/" target="blank">Reflora</a>. Eles convidaram parte da equipe que trabalha no repatriamento das plantas coletadas no Brasil nos séculos XVIII, XIX e início do século XX e armazenadas no herbário de Kew (o repatriamento é digital, recebemos imagens desses exemplares em alta resolução, transcrevemos os dados de etiqueta, e disponibilizamos ambos num <a href="http://reflora.jbrj.gov.br/reflora/herbarioVirtual/ConsultaPublicoHVUC/ConsultaPublicoHVUC.do" target="blank">Herbário Virtual</a>). É um trabalho grandioso que vem sendo feito com Kew desde 2012 (também existem outras parceiras, como o Museu de História Natural de Paris, o Museu de História Natural de Viena, Jardim Botânico de Nova Iorque, do Missouri, o Instituto Smithsonian, o Museu Real de Estocolmo, e mais de 30 herbários brasileiros). Como o convênio com Kew estava no fim, eles nos chamaram para apresentar o seu Jardim Botânico, toda a sua estrutura de pesquisa, o herbário, como eles operam a parte deles do repatriamento, e participar de oficinas para discutir os acertos, erros, e soluções e oportunidades apresentadas. Também participamos da edição de um belo livreto, cujo PDF ainda não está disponível<b> (edição de 26/06: <a href="http://aplicacoes.jbrj.gov.br/divulga/reflora_booklet.pdf">Agora está!</a>.)</b><br />
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Após o convite oficial, eu me encarreguei de selecionar alguns dos nossos bolsistas que tiveram envolvimento com as diferentes fases do projeto. São bolsistas que estão há muitos anos com o Reflora (dois deles desde o dia 1), e que na maior parte do tempo viviam com uma bolsa de R$550,00, que nunca foi reajustada. Pensei que essa oportunidade seria uma forma de reconhecimento pelo empenho e dedicação ao trabalho - se verba para a ciência é algo tão extraterrestre no Brasil, reconhecimento pelo trabalho neste campo é algo que muitos nem acreditam que exista, especialmente para bolsistas, que são a classe mais baixa do mercado de trabalho e relegada pelos próprios cientistas. Eu teria ficado feliz se outros bolsistas que não estão mais entre nós também tivessem ido, por igual merecimento, mas só podia ir a equipe atual.<br />
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Recebemos diárias generosas, e negociei um hotel peculiarmente confortável e barato (<a href="http://www.travelstay.com/pages/new/Book_SoLondonApartmentsHammersmith.htm" target="blank">So London Apartments Hammersmith</a>), no bairro de Hammersmith, a meio caminho entre Richmond, onde fica Kew, e o centro de Londres, a 50 metros de duas estações (e 4 linhas) de metrô e um terminal de ônibus. Eu não poderia ter escolhido melhor! Preparei para o grupo e para mim uma lista de atividades que poderiam ser feitas nas horas livres, levando em consideração o dinheiro que teríamos economizando na hospedagem, nossa localização, horários de funcionamento das coisas, meios de transporte, etc.. Me preparei como um verdadeiro guia turístico local!<br />
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<b>Preparativos:</b><br />
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Antes disso, o primeiro passo foi providenciar o passaporte. Eu nunca viajei ao exterior, então tive que fazer tudo do zero. A <a href="https://servicos.dpf.gov.br/sinpa/inicializacaoSolicitacao.do;jsessionid=BA540543FB6854FD0C7A5EB4F9BD7869.sdf0022_inst_1?dispatch=inicializarSolicitacaoPassaporte">Polícia Federal</a> funciona melhor do que a encomenda: do prazo de seis dias úteis da entrega de documentos até a entrega do passaporte, eles o fizeram em três. Sem fila (provavelmente por causa do posto em si, embora fique num shopping num bairro nobre onde acredito que todo mundo viaje regularmente e requisite o posto o tempo todo). O Reino Unido não exige visto, ele é concedido na chegada ao país. Você preenche um formulário no próprio avião, dando sua identificação, sua origem, tempo e local de estadia, motivo da viagem, e um telefone de referência. Via de regra, a imigração britânica não cria dificuldades, a menos que os dados fornecidos não confiram com o que está no passaporte, ou falte alguma coisa. O bilhete do voo de volta serve como comprovação do seu período de estadia no país. Fazendo reserva em hotel/hostel, imprima sempre a sua reserva, constando endereço e telefone do lugar, você poderá usá-los como referência também.<br />
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No aeroporto do Galeão tudo também correu bem para o embarque, apesar de um temporal ter adiado todos os voos em uma hora. O voo foi turbulento ao passar pela zona próxima ao Equador. Ao amanhecer olhei para baixo para o que pensava ser o mar, até perceber que era marrom e não se mexia: era o Saara marroquino. Mais um pouco e vi os Montes Atlas cobertos de neve.<br />
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Havia uma escala de cerca de duas horas no aeroporto de Barajas, em Madri. Ao desembarcar, tivemos que passar pela imigração local. Por algum motivo, o policial simplesmente pegou meu passaporte e carimbou num processo que durou exatamente 4 segundos, sem tempo nem para um <i>buenos dias</i>. Eu já estava autorizado a entrar na União Europeia! Mas duas pessoas da nossa equipe passaram por outro policial, que não carimbou seus passaportes e alertou ao grupo de que deveríamos nos encaminhar para o embarque. Aí começamos a sentir a Espanha: além do desencontro na imigração, eles também nos orientaram a ir a um portão que não era o que estava na passagem. O quiosque de informação do aeroporto tampouco sabia confirmar a informação. Na hora do embarque no portão informado, fomos levados a um ônibus interno que circulou por cerca de 15 minutos pelo aeroporto (que é enorme) até nos deixar no portão que, afinal, era o que estava na passagem! Fazia um frio curitibano, e ao longe se via o alto da serra ao norte de Madri coberta de neve (a impressão é de que deve ter feito mais frio na Espanha do que na Inglaterra, já que na volta também vi neve pelos campos espanhóis). Pelo menos deu tempo de comer um sanduíche de jamón. Eu não poderia ter deixado a Espanha sem comer jamón.<br />
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Na chegada a Londres, no aeroporto de Heathrow, a fila da imigração era longa, mais da metade de chineses. Europeus da UE pegavam outra fila e entravam com uma identificação automática. Passamos com o grupo todo de uma vez sem problemas. O aeroporto é tão grande que existe uma linha de metrô com quatro estações exclusivamente para uso interno. Já era fim de tarde quando encontramos a coordenadora do Reflora em Kew.<br />
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<b>Impressões gerais:</b><br />
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A primeira providência, à qual a nossa cicerone se antecipou, foi obter o <i>oyster</i>, o cartão magnético que serve para o transporte público na região metropolitana da capital. Como ele funciona, eu deixo para<a href="https://www.londresparaprincipiantes.com/"> sites especializados em turismo em Londres</a>, nos quais eu busquei informação sobre isso antes de viajar. Então pegamos o metrô para Hammersmith. Metrô em ótimas condições, moderadamente cheio ("confortavelmente cheio", melhor dizendo) apesar de ser o horário de rush (num sábado, mas mesmo assim). Chegando a Hammersmith, localizamos o hotel, onde acertamos a questão das diárias e deixamos nossas bagagens, e as lojas mais básicas - o supermercado (Tesco), as farmácias, lojas de roupas e departamentos, e o <i>pound shop </i>Poundland,<i> </i>a loja de conveniências onde tudo custa 1 libra. Eu que não levei coisas para banheiro, e estava com um bafão, precisava de escova e pasta de dentes e um desodorante. Tudo por 1 libra. Muitos de nós compraram água ou outras bebidas, mas a água que sai da torneira é potável, de maneira que eu só gastei com bebida uma vez, para experimentar um refrigerante local (o Doctor Pepper, um refrigerante de "frutas" que parece uma mistura de Grapette com Guaraná Jesus).<br />
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Uma das primeiras coisas que vimos foi nossa coordenadora confirmando um mito: para atravessar a rua quando não há sinal, basta por um pé no asfalto e os motoristas param. Lógico que você não vai se jogar na frente de um ônibus e ele vai frear magicamente antes de te acertar, mas o pedestre tem, efetivamente, prioridade. Outra coisa que, andando pela rua, me surpreendeu foi o desleixo de muitos locais com relação ao lixo: papéis, copos, embalagens eram jogados ao chão sem sequer o constrangimento de disfarçar fazendo uma bolinha e "deixando" cair; não, era o papel aberto mesmo, o saco de biscoito, o copo com canudo e tudo. Uma coisa que chocou até os cariocas, que são muito mais porcalhões do que, por exemplo, os paulistas. E os chicletes pisados... olhando as ruas e calçadas, especialmente nas faixas de pedestres, se via marcas pretas de chicletes pisados às centenas.<br />
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Os londrinos são ao mesmo tempo brutos e atenciosos: eles andam na rua a passos largos, e não pedem licença. Se você estiver no caminho distraído, vai levar uma trombada. Mas se você pedir uma informação a qualquer um, eles vão atender você da melhor maneira possível, e se perceberem sua dificuldade com a língua, vão se esforçar para falar devagar e claramente, e talvez o levem até onde você precisa ir. Durante as atividades em Kew, a equipe deles teve grande paciência com a nossa, pela deficiência da língua que alguns de nós tínhamos (o meu inglês escrito é fluente, mas o meu <i>conversation</i> ainda era uma incógnita pra mim, mas saiu tão bem que eu tomava a iniciativa nas discussões dos assuntos à mesa, o que nem é da minha natureza falando português). O atendimento nas lojas, restaurantes, e dos policiais na rua é incomparável com qualquer coisa que exista no Brasil.<br />
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Chegamos tarde, e tudo que poderíamos fazer era jantar. Achamos um pub em Hammersmith (<a href="http://theandoverarms.com/">The Andover Arms</a>). Receávamos que o preço fosse alto, porque estamos acostumados com o Brasil, em que o preço é sempre proporcional à quantidade. Mas os pratos vieram muito bem servidos. Uma de nós teve que se virar para comer uma perna de cordeiro inteira com legumes, como se fosse o Obelix. Absurdamente gostoso, a despeito do que se comenta sobre a qualidade da comida típica de Londres. E, ao contrário do que imaginávamos, mesmo sendo um pub onde os londrinos vão principalmente para beber, este tinha um ambiente familiar: música boa e baixa, assentos acolchoados, e famílias com crianças. A primeira impressão é a que ficou.<br />
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Durante a semana, de segunda a quinta, a equipe toda trabalhou em diversas atividades em Kew o dia inteiro, às vezes saindo às 19:00 de lá. Essa é uma constante que eu não preciso repetir daqui para frente. Então, vou fazer um resumo do dia-a-dia nas horas livres.<br />
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<b>Domingo</b>:<br />
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Acordei todo mundo de manhã, sugerindo vermos a troca da guarda, que aconteceria naquele dia às 11:30. Aproveitei e guiei todos por um caminho que nos apresentou ao Hyde Park (o "Central Park" de Londres), o Marble Arch, o centro comercial da cidade nas ruas Oxford e Regent (onde, lamentavelmente, ainda era muito cedo para entrar nas lojas, que só abririam depois de meio dia), o Piccadilly Circus, e o caminho até o St. James Park e o Palácio de Buckingham. No caminho eu ia e vinha correndo, fotografando lugares ou vendo vitrines e monumentos, e essa correria me deu um calor tal que eu andei de camiseta por algumas horas - os londrinos estavam encapotados com casacos pesados e peludos, como se estivessem na Sibéria, embora a temperatura ainda estivesse acima de 0°C. Chegando em frente ao palácio perto do início da cerimônia, nos posicionamos na fonte em frente ao portão principal, em volta da qual os guardas da rainha iriam marchar.<br />
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Eu que tenho desprezo pela disciplina militar achei tedioso ver os soldados fazendo passo de ganso. O divertido foi quando sua banda tocou algumas músicas populares (inclusive, acreditem, a abertura de Uma Família da Pesada), mas foi quando eu já estava sentindo que poderia estar fazendo alguma coisa melhor naquele momento. Quando os guardas marcharam de volta pela rua, e a via foi liberada, achamos a lojinha do palácio. Não poderia deixar de ser, tudo muito fino (souvenires, louças, bordados, cosméticos) e razoavelmente caro, tudo aprovado pela rainha. Comprei sabonetes com o cheiro da rainha para a minha mãe.<br />
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O próximo destino eram os museus - uma quadra inteira de museus, teatros, e espaços culturais em South Kensington - especialmente, para mim, o Museu de História Natural. Mas já passava da hora do almoço, e uma coisa que eu realmente não programei foi a comida (quando eu viajo, normalmente as únicas certezas que eu tenho é onde eu vou dormir e quando eu vou embora, o resto é improvisado). Paramos no caminho em qualquer lugar. Aconteceu de ser um restaurante libanês chamado <a href="http://www.yamalalsham.co.uk/">Yamal Alsham</a>. A dificuldade com a língua dos meus colegas, e restrições quanto aos ingredientes (tudo lá é feito com cordeiro, o gado bovino não é tão importante no fornecimento de carne ao inglês como é no Brasil) deixou todo mundo meio de nariz torcido. Eu, pessoalmente, teria devorado o cardápio inteiro, exceto talvez alguns pratos veganos. O ar de sofisticação do local fez, novamente, a gente temer que as quantidades fossem ínfimas, e que uma refeição satisfatória sairia caro. Eu pedi uma entrada de camarão empanado, e duas meninas pediram homus, que também era uma entrada. A gente esperava que viesse um copinho de homus e um pãozinho pra acompanhar. Amigo... pra começar, chega à mesa uma travessa com legumes e verduras inteiros para cada um preparar a sua salada como quisesse, além de azeitonas muito diferentes das que temos aqui em conserva - de cortesia! Quando chegaram os homus, eram duas cumbucas de, talvez, meio litro, regado de azeite, e duas cestas de pães com 4 pães sírios gordinhos. Isso foi nosso almoço (estávamos em quatro)! O garçon até ficou decepcionado quando pedimos a conta sem pedir um prato principal.<br />
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Abastecidos, fomos ao <a href="http://www.nhm.ac.uk/">Museu de História Natural</a>. Esse foi particularmente um sonho realizado; além de ser um dos maiores e mais ricos museus de biologia do mundo, desde antes de me alfabetizar eu devorava livros sobre dinossauros, e em alguns deles havia fotos de fósseis que até hoje estão em exposição no Museu. É como se eu tivesse sido preparado para isso. Passei umas 4 horas lá dentro, e não consegui ver mais que um quarto do primeiro piso. Mas consegui ver os dinossauros! Acabei expulso pelos guardas que eu estavam fechando o museu.<br />
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De lá encontramos outra parte do grupo que se separara a caminho do Palácio de Buckingham e visitara o museu de arte Victoria & Albert, logo ao lado. Decidimos encerrar indo até o Big Ben. Descemos na estação Westminster, e ao sair dela, demos de cara com o rio Tâmisa (pela primeira vez), o prédio do County Hall do outro lado, e a London Eye (a roda gigante). Enquanto as pessoas posavam para foto, eu olhei para trás, e dei de cara com o relógio da torre, que nem tínhamos notado ainda. Mais fotos. Atravessamos a ponte de Westminster e percorremos o pier junto ao County Hall. Os meninos compraram entradas para uma série de atrações para o sábado seguinte, incluindo a roda gigante. Eu que gosto muito de ficar com os pés no chão, fiquei de fora (sábado seria o meu dia). Terminamos comendo um clássico <i>fish & chips</i> (peixe frito com batata frita) <a href="http://greatbritishfishnchips.co.uk/">por ali mesmo</a>. Ao final do dia, foram mais de 9 km percorridos a pé, só pelas ruas (a quilometragem dentro do Museu, só a vigilante estátua de Charles Darwin sabe).<br />
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<b>Segunda-feira:</b><br />
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Depois de um dia cheio, em que conhecemos <a href="http://www.kew.org/">Kew</a> pela primeira vez (mas não muito, nossa agenda nunca abria espaço para um passeio pelo parque), fui às compras em Hammersmith. Na verdade, comprei uma ou outra coisa no Tesco, principalmente um chá de assam, que se tornaria o meu energético no café da manhã até o fim da viagem - e eu iria a Londres e não tomaria chá? Aliás, o frigobar do quarto tinha, de cortesia, copinhos de leite vedados como iogurte, na medida que eles usam para uma xícara de chá. Achei o detalhe adorável. Também comprei um queijo local que parecia um cheddar, bem saboroso, e guardei no frigobar.<br />
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Uma coisa sobre o supermercado é que se você vai pagar no cartão, você pode se dirigir a máquinas que ficam separadas dos caixas, onde você passar os produtos no leitor, e depois paga com o cartão. Os caixas são apenas para quem paga em dinheiro. Com isso, embora o mercado fosse cheio, as filas eram insignificantes.<br />
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Como era noite, e desde sexta estava abusando da minha saúde, preferi dormir cedo. Deixei os mais novos saírem e se divertirem por aí.<br />
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<b>Terça-feira:</b><br />
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Pela primeira vez andamos no ônibus de dois andares (no andar de cima, claro). Percebemos que o tempo de viagem do ônibus até Kew era o mesmo do metrô (é incrível como eu não vi congestionamento em lugar algum a semana toda), então para Kew passamos a usar só os ônibus.<br />
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Saímos tarde de Kew, e resolvemos, de sopetão, conhecer o Soho, o bairro boêmio que seria algo como o "Baixo Leblon" de lá (chamávamos Hammersmith de "Méier" de Londres). O Soho foi um bolsão de miséria em Londres até o começo do século passado, e muitos prédios que constituíam cortiços (com pátios internos) entre ruas estreitas de pedra continuam ali, e hoje hospedam restaurantes finos, pubs, casas de show, teatros e lojas de marca. Topamos com o <a href="http://www.nicholsonspubs.co.uk/restaurants/london/thecrownbrewerstreetlondon">The Crown</a>, pub que anuncia na porta seu passado como casa de concertos e lugar onde Mozart, aos nove anos, apresentou-se ao lado de sua irmã. Eu tinha que entrar lá. Jantamos. A comida tinha um jeito de "padronizada", porque o pub, como a maioria dos pubs, pertencia a uma rede. Mas deu para o gasto, e ficamos todos felizes. Andamos pelas ruas à noite, vendo as luzes, a movimentação das pessoas, fizemos uma parada em outro pub, <a href="http://www.nicholsonspubs.co.uk/restaurants/london/theclachankinglystreetlondon">The Clachan</a> (da mesma rede do The Crown), onde os meninos tomaram mais alguns pints. Achei um sarro estar na night do Soho, eu que nem saio pra comprar um pão à noite.<br />
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Voltamos pela Regent Street, e notamos um camarada nos seguindo. Diferente das outras pessoas, que estavam voltando do trabalho com suas pastas, bolsas, e mochilas, ele não carregava nada, parecia alheio, à toa. Mudamos o ritmo do passo nos afastando das paredes, ele passou por nós, disfarçou, ajeitou uma meia, voltou, deu mais meia volta, e continuou nos seguindo. Fez isso mais uma vez. Quando surgiu a oportunidade atravessamos para o outro lado, dando um perdido nele. Mal sabia ele que estávamos em quatro, e que moramos no Grande Méier, mané.<br />
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<b>Quarta-Feira:</b><br />
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Pela primeira vez demos um rolê pelo Jardim Botânico de Kew (porque estava na programação), guiado por uma brasileira que trabalha lá na parte de conservação. Conhecemos as estufas onde cultivam espécies de climas específicos (tropical úmido, tropical seco, deserto, etc., cada estufa rigorosamente climatizada de acordo com as necessidades das espécies) com objetivo de preservar e reproduzir espécies ameaçadas de extinção. Também fomos levados uma das principais estufas de exibição - na mais nova delas havia uma grande exposição de orquídeas brasileiras, embaraçosamente representadas por híbridos asiáticos e sambas-enredo no som ambiente (isso porque foi um brasileiro que montou a exposição). Mas mesmo assim o tempo era tão apertado que nem deu para entrar na estufa de plantas alpinas que fica logo ao lado. Foi o dia em que conseguimos pegar a loja de Kew ainda aberta (compramos bastante coisa; apesar de pertencer à Coroa Britânica, Kew não recebe verba pública, e sua receita vem da bilheteria, da loja, e de cursos e oficinas oferecidas ao longo do ano, além de investimentos individuais em projetos de cada setor da instituição)<br />
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Ao final do dia, resolvi passar no mercado novamente e comprar algumas coisas, e depois jantamos num Pizza Hut em Hammersmith. Lá as pizzas tem um preço razoável, não o seu peso em ouro como no Brasil. Além disso, existe todo um buffet de saladas e aperitivos, que é cortesia da casa. Pedi uma chamada <i>Blazin' Inferno</i>, com peperoni, habaneros e jalapeños fatiados. Uma delícia na entrada, um sofrimento na saída.<br />
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<b>Quinta-Feira:</b><br />
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Eu estou escrevendo tudo isso com dois meses de atraso, e é realmente difícil lembrar de tudo, pelo menos em ordem! Nesse dia, visitamos a grandiosa Palm House, mas eu jurava que tinha sido no dia anterior (as fotos datadas no celular foram minha cola aqui). Palm House data do século XVIII e simula um clima tropical úmido para cultivar principalmente palmeiras. Em cada extremo da estufa tinha escadas espirais que subiam até uma passarela que circunda a estufa, oferecendo a visão na altura da copa das árvores. Descendo as mesmas escadas, demos com uma galeria subterrânea onde existem aquários de algas - também, cada aquário simulando um tipo de ambiente aquático/marinho, para exibir toda a diversidade de macroalgas que existe. Fiquei extasiado com os aquários de algas! Se é difícil atrair investimento e público para aquários com bichos, imagine de algas! Até por causa disso nos atrasamos para um dos compromissos à tarde.<br />
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Curtimos o por do sol da varanda do salão de chá de Kew, com vista para o Tâmisa, e fomos jantar com os brasileiros que trabalham em Kew num restaurante espanhol em Richmond, o <a href="http://donfernando.co.uk/">Don Fernando's</a>, onde parte da equipe falava português de Portugal. Comida abusivamente deliciosa. Eu me lembro de ter pedido um prato (a maioria ficou nas entradas, que incluía um queijo espanhol empanado que era um crime de bom) mas nem me lembro o que era, só lembro que era bom demais. Ainda sobrou um espaço para camarões <i>al pil pil </i>(camarões fritos no azeite com alho e pimenta, que eu preciso fazer em casa!).<br />
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Chegando a Hammersmith, fui mais uma vez ao supermercado. Passei a semana toda procurando um certo biscoito amanteigado para uma amiga no Brasil, e fiz mais uma tentativa, dessa vez num Sainsbury, já que no Tesco não tinha mesmo (fui achar esse biscoito em Heathrow, antes de embarcar para o Brasil). Acabei enchendo duas sacolas de compras (lá você paga pelas sacolas se não trouxer as suas), quase tudo de besteira. Gastei 40 dinheiros nisso. Ainda passei na Poundland em frente e aproveitei a viagem para comprar coisas que são absurdamente caras aqui no Brasil - e que além de baratas lá, são absurdamente mais gostosas do que os similares que temos aqui, como uma certa bolacha coberta de chocolate num dos lados, cujo produto similar mais comum aqui é o Calypso, que tem menos da metade do peso líquido, é mais caro mesmo convertendo a libra em real, e ridiculamente pior. Acabei com uma montanha de gostosuras.<br />
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<b>Sexta-Feira:</b><br />
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O programa do dia era ir a <a href="http://www.kew.org/visit-wakehurst">Wakehurst Place</a>, em Haywards Heath, no sul da Inglaterra. Era uma viagem de trem de mais de uma hora para o interior, mais uns 15 minutos de ônibus até o local (a cidadezinha também tem ônibus de dois andares, e até com wifi) . Wakehurst é uma antiga propriedade rural, cuja sede é uma mansão de pedra da era elizabetana. Pertence hoje à National Trust, e Kew administra o local em troca da sua conservação e de benefícios aos associados daquela fundação. Wakehurst é de uma beleza cênica que eu não vi igual. Por causa do solo diferente do solo aluvial do Tâmisa, onde fica o Jardim Botânico, em Wakehurst se pode plantar espécies que não conseguem crescer em Kew. Então ali eles compuseram canteiros e bosques inteiros de espécies de todos os continentes. Kew também mantém o Banco de Sementes do Milênio, um centro de estudos avançados em sementes e germinação construído sobre o banco de sementes propriamente dito, que é um bunker blindado à prova de bombardeios nucleares. O objetivo de servir como um reservatório genético da vida vegetal do mundo é levado muito a sério!<br />
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O restaurante de Wakehurst funciona no antigo estábulo atrás da mansão... amigo, aquela barriga de porco com <i>cassoulet </i>de feijão branco foi de arrasar.<br />
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Ao final do dia decidi me separar do grupo e sair sozinho por aí. Nos separamos na turbulenta estação de Clapham Junction, mas eu não tinha nenhum plano em mente. Olhando em volta, tentando sair do fluxo de pessoas, vi uma estação onde sairia trem para London Bridge, no centrão de Londres. Embarquei, e nem sei se poderia ter feito com o meu oyster, já que aparentemente eu peguei um trem intermunicipal que não estava nos mapas de metrô.<br />
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Nessa noite fazia frio, algo flutuando em torno de 0°C. Atravessei a London Bridge, e à direita vi a Tower Bridge, e decidi ir naquela direção. Andei para o leste na margem esquerda do Tâmisa, passei por um monumento lembrando o grande incêndio de 1666, que acredita-se tenha começado naquele mesmo local. Passei pela Torre de Londres, antiga fortaleza-presídio destinado aos prisioneiros mais notórios do reino, e onde hoje estão guardadas as jóias da coroa. A ponte (que se chama Tower Bridge por causa da Torre de Londres ao lado) é belíssima, uma ponte pênsil com duas torres estruturas e cabos de ferro e aço pesadíssimos, toda iluminada. Ela liga um lado ao outro do centro antigo de Londres. Na margem direita, descendo a ponte, há uma rede de vielas antigas, exclusivas para pedestres, e junto ao rio um pier onde chegam navios turísticos, com restaurantes finos e hotéis. O frio e o celular descarregado me obrigaram a fazer uma parada numa Starbucks para achar uma tomada e tomar um chá quente à vista da ponte. Mais tarde experimentei uma pizza na <a href="https://www.pizzaexpress.com/london-bridge">Pizza Express </a>(uma espécie de Pizza Hut londrina). Atravessei a ponte mais uma vez para achar uma estação de metrô para voltar a Hammersmith com um sentimento de satisfação: "eu dominei esta cidade".<br />
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Uma pena que eu tenha estado tão próximo do Globe Theater, onde Shakespear encenava suas peças, mas estava sozinho à noite, o frio estava vencendo a minha resistência e eu estava preocupado com o horário em que o metrô para de funcionar, e eu decidi não ir.<br />
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<b>Sábado:</b><br />
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Último dia em Londres. Sem obrigações, resolvi usar o dia para tomar algumas providências: precisava de uma mala nova para guardar todas as minhas compras. Sério, fui pra lá com uma mochila nas costas e voltei com uma mala de quase 1 metro de altura. Me servi da <a href="http://www.primark.com/en/store/hammersmith">Primark</a> de Hammersmith, uma espécie de Renner obscenamente barata. As roupas (possivelmente a maioria fabricada por escravos em Bangladesh) são absurdamente baratas. Levei um sapatênis por 3 libras. Converta isso em reais (a libra vale hoje perto de R$5,10) e você não compraria nem um cadarço com isso no Brasil. Comprei a mala, algumas roupas. Voltei ao hotel, passei uma hora tentando acomodar as coisas dentro dessa malona. Fechei com ela já explodindo, o que era uma pena, como eu veria mais tarde.<br />
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Resolvida a questão da mala, fui em direção ao último lugar que eu absolutamente não poderia deixar de ver em Londres: o Museu Britânico, um dos principais museus de arqueologia do mundo. No caminho, desci na Oxford Street, onde comprei algumas lembranças, e voltei à Regent para comprar um cabo na <a href="http://www.apple.com/uk/retail/regentstreet/">loja da Apple</a>. Fiquei bem confuso dentro da loja: além de cheia, ela não tinha "começo" e "fim". Tinha os mesões com os produtos em exibição (vi pela primeira vez o modelo gigante de iPad e os relógios), mas não tinha caixas. Achei o cabo e perguntei a um rapaz como eu fazia para pagar. Ele me levou a um dos mesões, mexeu alguma coisa em baixo dele, tirou um celular do bolso, pegou meu dinheiro, abriu uma gaveta no mesão, me deu o troco e imprimiu uma nota com uma maquininha acoplada no aparelho. Muito moderno. Me arrependo de não ter comprado o BB8 que funciona acionado por um aplicativo de celular. Era pouco mais de 100 libras (aqui são R$3000,00!). Mas a minha mala realmente estava explodindo e fiquei com medo de não ter como guardá-lo.<br />
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Eu sentia o tempo passar, e pulei todas as outras coisas que eu poderia ver no caminho (a enorme loja de brinquedos Hamley's, a histórica loja de departamentos Selfridge's, e a Baker Street, endereço de Sherlock Holmes) para poder passar mais tempo no Museu. A pequena fração que eu vi nas horas que eu fiquei no Museu de História Natural me ensinaram a lição. No entanto, ainda parei para almoçar: <a href="http://leonrestaurants.co.uk/">uma lanchonete servia "Brazilian black beans"</a>, que, sinceramente, lembra bem pouco o feijão carioca :P<br />
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O <a href="http://www.britishmuseum.org/">Museu Britânico</a> é o melhor lugar do mundo. Um enorme palácio neoclássico com um átrio gigantesco, onde foi erguida uma torre cilíndrica, onde funcionam lojas, banheiros, lanchonetes e pontos de informação, e todo o espaço entre a torre e o prédio revestida por um teto armado de vidro e aço. Nem sei quantos andares tem. Entrei por um portão que dava a uma ala onde havia uma exposição temática sobre arte islâmica. De lá, passei à ala sobre Américas, indo dos esquimós até a Mesoamérica, com relíquias que eu já conhecia dos livros. Me desviei para um corredor semelhante a uma biblioteca, que homenageia alguns dos exploradores que contribuíram para o museu e expõe livros, estátuas e artefatos de diversos lugares e épocas. Por ali saí para o átrio central e passei à coleção egípcia. Logo de cara, a Pedra de Rosetta, onde está gravado um texto em três alfabetos distintos (hieroglífico, demótico, e grego), e que permitiu aos arqueólogos decifrarem o significado dos hieroglifos egípcios. Eu precisava ver aquilo com meus próprios olhos.<br />
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Passei apressado pela coleção egípcia, porque trabalhei muito tempo no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e aquilo não era exatamente novidade para mim. Mas me detive por horas nos corredores da coleção assíria, onde eles reproduziam os painéis em baixo relevo que ornavam os palácios imperiais das diferentes fases do império assírio. Da Assíria passei à Grécia, com sua história, do povo das Cíclades e a civilização micênica até o período clássico em obras de arte, cerâmica, estátuas, armas, adornos, que reproduziam em si mesmos cenas da mitologia e da história da Grécia Antiga. Havia salões onde templos inteiros foram transportados de seus sítios originais e remontados. Vi com meus olhos os resquícios do Templo de Ártemis de Éfeso, as estátuas e frisos do Mausoléu de Mausolos de Halicarnasso, duas das 7 Maravilhas do mundo antigo. Em dois ou três salões, estavam expostos fragmentos de colunas e estátuas do Parthenon (que foi pelos ares em 1687, quando os venezianos atacaram o lugar, usado como um paiol pelos turcos), e em outro, bem maior, o que restou dos frisos e esculturas, de autoria do genial escultor Fídias, que adornavam o templo. Não podia, mas eu fiz questão de passar a mão no capitel de uma das colunas, só pra dizer que eu toquei no Parthenon.<br />
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Estava extasiado, mas achei, depois de cinco horas, que era hora de avançar no tempo - eu ainda estava no mundo de cerca de 400 a.C.! Subi pela torre central do museu e descobri uma passarela para uma ala no último andar onde estava a coleção da Mesopotâmia do 7º ao 2º milênio a.C., o berço da civilização! Mas era justo a hora de fechar o museu... Andei a esmo depois até a estação Blackfriars (sobre a qual funciona um pub homônimo, e aí não sei quem deu nome a quem) e voltei de metrô a Hammersmith, onde reagrupei com o pessoal. Fomos a um pub por lá mesmo para uma saideira rápida (os bares fecham às 22:00, no sábado!), porque precisaríamos estar no aeroporto às 3 da manhã.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-73949633192155562182016-03-23T11:17:00.000-03:002016-03-23T11:24:46.802-03:00Viagem a Londres I: Custos de vidaEnquanto estava em Londres, observando os preços das coisas, eu ponderei em um post do facebook (e este texto aqui é basicamente o post que eu publiquei lá uma semana depois) que possivelmente existisse uma espécie de proporcionalidade entre os valores de lá e daqui, desconsiderando a diferença de câmbio. Por exemplo, que um almoço bem servido lá, que custa de 12 a 15 libras, equivaleria a um PF bem feito num restaurante sem estrelas daqui, algo em torno de 15 reais. E que, extrapolando para o resto das coisas, uma pessoa que vive com 2000 reais de salário aqui teria, nessa teoria, um padrão de vida similar a alguém que ganhe 2000 libras por mês lá. Porém, essa tese foi construída de suposições sobre suposições, sem qualquer fundamento teórico nem pesquisa.<br />
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Bom, quando cheguei no Brasil eu fiz alguma pesquisa.<br />
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Existem dois pontos que os neoliberais insistem que são fundamentais para aquecer a economia e proporcionar bem estar social (ou o que quer que eles entendam por isso) e igualdade de oportunidades: o enfraquecimento ou abolição do salário mínimo, que onera as folhas de pagamento, e a carga tributária embutida nos preços dos produtos. Sazonalmente eu vejo insinuações de que o estabelecimento por lei de um valor mínimo para os salário desflexibiliza as relações de trabalho e obrigam o empregador a pagar mais do que um serviço deveria custar, onerando a produção e restringindo sua capacidade de absorção de mão de obra, além de aumentar os custos com o funcionalismo público, cujos salários são calculados na base do salário mínimo e, em tese, reajustados automaticamente. E, com muito mais frequência, vejo a carga tributária brasileira ser pendurada na cruz como a razão pela qual pagamos preços de imóveis pelos carros, e de viagens à lua pelos imóveis, além de preços altos de bens de consumo e alimentos em relação ao que se vê no exterior.<br />
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Bom, os dois dados que eu pesquisei a respeito no Reino Unido embaralham muito essa argumentação.<br />
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Naquele país os salários não são mensais (embora possam ser pagos mensalmente de acordo com as conveniências de ambas as partes). Lá paga-se por hora trabalhada. Mas existe um salário mínimo por hora (e também por idade), que atualmente é de 6,7 libras esterlinas. Uma pessoa acima de 21 anos que trabalhe 40 horas por semana receberá ao final do mês pelo menos 1072 libras. Mil e setenta e duas libras, obrigatoriamente, enquanto no Brasil o salário mínimo está em R$ 880,00. Isso também quebra a minha tese da proporcionalidade: um assalariado britânico recebe mais dinheirinhos do que um brasileiro.<br />
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Vamos para o custo de vida. Não vou entrar no mérito do valor dos imóveis, dos aluguéis, e das taxas de luz, água, gás, etc, porque não vivenciei nem estudei isso. Tenho a informação de que, aí sim, existe uma proporcionalidade dos valores entre Londres e Rio (duas das capitais reconhecidamente mais caras do mundo, no valor da terra). Tipo, um imóvel que custe 1000 reais por mês de aluguel no Rio seria semelhante em estrutura e localização a um imóvel de 1000 libras mensais em Londres. Mas isso é informação de boca a boca com quem estava morando lá. Nesse aspecto, um assalariado britânico, de qualquer maneira, está mais bem aparado financeiramente para escolher um imóvel adequado às suas necessidades do que um carioca. Além das óbvias e grosseiras diferenças na qualidade de vida na periferia londrina em relação à periferia (que é social, não geográfica) da capital fluminense (só para se ter uma ideia, 1000 reais é o valor de um apartamento de 50m² e 2 quartos no bairro de Lins de Vasconcelos, onde os tiroteios são cortesia).<br />
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Passo então para o custo de alimentos e bens de consumo. Nos hortifrutis dos supermercados, frutas, legumes e verduras, que nesta época do ano são basicamente importados, valem centavos por quilo. Centavos. Pence, na verdade. Bananas importadas do Equador ou do raio que o parta valem centavos. Preço de banana, literalmente. Veja no hortifruti da sua rua quanto está o quilo da banana (no Rio, a banana mais barata quase sempre é a banana d'água). Alimentos industrializados e bebidas custam, ao assalariado londrino que chega ao fim do mês com quase 1100 libras na conta, 1, 2, 3 libras cada item. Existem lojas inteiras de artigos para casa, banheiro, e comida por 1 libra, os pound shops. Entendam, não são lojas com coisas a partir de 1 libra, como as lojas daqui de 1,99, em que tem tudo *a partir de* 1,99. Lá 1 libra é o preço de 100% dos artigos, nada a mais, nada a menos, e ali você já pode se abastecer razoavelmente. Um amigo meu comprou uma cerveja belga por 2,99 num supermercado, a mesma cerveja que no Rio custa quase 70 reais. Entrei numa loja da Apple e comprei um cabo por 15 libras, o mesmo cabo que no Brasil pode chegar a 95 reais. Nessa loja, na opulenta Regent Street (a Oscar Freire de lá), encontrei um BB-8, o novo droid da série Star Wars em miniatura, que rola, faz barulhos, reclama e etc. controlado por um aplicativo para i-phones e i-pads. Ele custava pouco mais de 100 libras. No Brasil ele está chegando por 3000 reais.<br />
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A reação imediata que você teve é "ah, nós pagamos absurdos de impostos, por isso tudo é sempre mais caro". E aí entra minha segunda pesquisa rápida. No Brasil, os impostos cobrados sobre toda a riqueza produzida no país, ou seja, a porcentagem média acrescida ao valor final de qualquer produto no mercado nacional era, em 2012, de 34,4%. É alto. Nos EUA, por exemplo, esse valor chega a 26,9%, e eles acham isso tão absurdo quanto pagar o imposto do chá ao rei da Inglaterra, e em mercados mais competitivos, como Taiwan, é de 12,4%. Só que no Reino Unido a carga tributária é de 39%, e ainda é mais baixa do que em países como Holanda, Itália, França e Dinamarca (onde isso chega a quase 50%!). Nem considerando os impostos sobre importações, NÃO EXISTE IMPOSTO SUFICIENTE que justifique que algo que custa (no valor do varejo!) 550 reais ir para a loja por 3000, ou uma cerveja que custe (no varejo!) 17 reais ser vendida por 70, ou um toblerone de 400 g de 1 libra por R$30. Se eu, pessoa física, comprasse essas coisas lá e vendesse pela metade do que elas valem aqui, eu já teria um lucro estupidamente alto! Mesmo pagando imposto!<br />
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Então quando vc paga 3000 reais num brinquedo que vale 6 vezes menos, você está sendo feito de trouxa. E não é pelo governo, cujos impostos jamais alcançam 300% do valor original de qualquer coisa. Nem na Dinamarca! O chamado "custo Brasil" não tem a ver com governo nem com política. Então, você que reclama do governo pq seu Playstation custa 4 mil reais, ou aquela metade de carro da Mercedes que custa 50 mil, ou que vc está pagando quase 30 mil por uma versão nacional bosta de um Chery QQ quando o importado da China completo valia menos de 20, você está sendo feito de trouxa duas vezes: a primeira quando paga esse valor, e a segunda quando quem está roubando você na sua cara te convence de que a culpa é do governo.<br />
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Se quer reclamar sobre os impostos, faça como eu e os milhões que estavam nas ruas em 2013 e você sorria quando a polícia baixava o cacete em cima: exija o retorno em serviços públicos do que é pago. Agora, quanto ao preço justo das coisas, pense que o objetivo de vida dos neoliberais é ver a iniciativa privada ainda mais desregularizada, e boa sorte nesse mundo aí.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-45974580067848688192016-03-01T13:55:00.000-03:002016-03-01T13:55:12.960-03:00O caminhoAlguns aspectos das nossas personalidades são inatos, produto de maneiras muito particulares pelas quais as nossas redes neuronais foram construídas desde a concepção. Muitos outros são derivações conscientes ou semi-conscientes desses estados primitivos, quando refletimos sobre nossas atitudes e reações, e como somos percebidos pelos outros. E um pouco, são realmente escolhas que fazemos para nossas vidas.<br />
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Então, se eu for traçar uma sequência coerente para definir quem eu sou, eu teria que começar por dizer que nasci epiléptico, que isso perturbou um pouco a minha auto-confiança nas minhas relações interpessoais desde a infância, que isso me levou a cultivar um estilo de vida fundamentalmente individualista e emocionalmente independente (embora não necessariamente maduro :^P), que me levou, eventualmente, a mergulhar em processos de auto conhecimento, que me levaram ao taoísmo, e me levaram ao anarco-pacifismo.<br />
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A perturbação da minha auto-confiança num período formativo, como a infância, determinou que eu me tornasse muito tímido. E ainda sou. É uma timidez que me limita severamente em situações em que preciso lidar com outras pessoas, particularmente pessoas desconhecidas. Essa insegurança resulta em um loop interminável de questionamentos e pré-julgamentos, que geram uma ansiedade que pode beirar ao pânico, e que me impede de dar um passo diante de situações simples. Uma solução que encontrei, já na vida adulta, foi suprimir essa intelectualização (o processo de questionamentos e pré-julgamentos de mim mesmo) e agir por impulso. Claro que agir meramente por impulso é perigoso, porque isso desconsidera o risco e as possíveis consequências de cada ação. É aí que entra o taoísmo.<br />
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O taoísmo consiste, na sua coluna vertebral, em compreender as forças (físicas, se lhes aprouver) que regem o universo; compreender que cada ação, cada pensamento ou palavra dita reverberam pelo universo. E que existe um fluxo de energia e matéria que segue uma ordem inexorável, contra qual a luta, infrutífera pela finitude da existência humana, nos leva à frustração e ao sofrimento. Que o Tao - palavra que acolhe diversas traduções possíveis, como "caminho", "paz", "estrada", "correção", "deus", "estreiteza", "maneira", etc. - não opera todas essas forças por vontade, plano ou julgamento, características limitadoramente humanas. O Tao é o que é, e faz o que faz, porque não existe outra maneira.<br />
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Para seguir o Caminho, o taoísta é encorajado a seguir o exemplo do Tao e suprimir seu ego a ponto de poder ver, ouvir e sentir além de si mesmo, pois assim ele pode agir em consonância com o que se desenrola á sua volta. É aí que ele me encontra.<br />
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Nos últimos dois meses eu estive ocupado com uma viagem a Londres com alguns colegas de trabalho. Sobre a viagem em si eu falo em outro post. Mas enquanto me preparava, fiquei levantando informações sobre lugares para se ver, meios de transporte, a logística toda para que todo mundo pudesse aproveitar o que mais gosta na cidade. Logo de início eu os alertei: quando eu viajo, a única coisa que eu sei é quando e como ir embora; o resto sai no improviso. Alguns colegas até procuraram entender como alguém que trabalha metodicamente com eles (sou seu supervisor!) tem uma atitude tão aleatória e impulsiva.<br />
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Eu tenho esse comportamento errático quando estou em perfeita calma. "Errático" é, na verdade, quando eu estou seguindo o fluxo das coisas, quando estou calmo, quando suprimi meu ego e parei de "encucar" com meus problemas. É assim que alguém com um histórico de vida de constrangimento em público consegue palestrar para audiências de duzentas pessoas, representar, enfiar-se numa multidão em protesto (pânico de multidões é outro problema grave!) ou desembaraçar-se num país estrangeiro e numa língua que nunca de fato praticou (leio e escrevo inglês com naturalidade, mas nunca exercitei meu "conversation").Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-89848345545329969632015-08-22T11:07:00.000-03:002015-08-22T11:07:14.143-03:00Cocos em volta de uma lata de lixo vazia<div class="separator" style="clear: both; text-align: left;">
Eu escrevi isso há algumas semanas:</div>
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<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://4.bp.blogspot.com/-E6v90vLFg9E/VdiAkHXYjQI/AAAAAAAAAXU/brkJIDEq30Q/s1600/11218077_10207676451213149_6195868174970586656_n.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://4.bp.blogspot.com/-E6v90vLFg9E/VdiAkHXYjQI/AAAAAAAAAXU/brkJIDEq30Q/s1600/11218077_10207676451213149_6195868174970586656_n.jpg" /></a></div>
<br />
<span style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">A foto é ruim porque foi tirada à distância já ao anoitecer. Fim do dia na Praia do Pepê. Até uma hora antes, estava cheio de gente. Naquele momento, o que restou: uma lixeira cercada de cocos vazios. Toda a área da areia em frente ao deck de uma paleteria estava cheia de cocos e outros detritos. Uns barraqueiros até juntaram seu próprio lixo em torno de outra lixeira. Mas o que os banhistas consu</span><span class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 13px; line-height: 18px;">miram ficou para trás. Apesar das lixeiras posicionadas a 10, 15 metros umas das outras, nenhuma delas aparentemente cheias que justificasse não jogar mais coisas dentro, pelo que deu para ver de onde eu estava, e pelo que eu procurei registrar na foto.<br /><br />Fiquei pensando por que as pessoas não se deram ao trabalho de jogar os cocos na lixeira. Na foto eles foram displicentemente deixados em volta da lixeira, que esteve ali aberta o dia inteiro. Me ocorreu que, talvez, sejam aquelas pessoas que se justificam dizendo que estão dando trabalho para os garis (que fazem o trabalho fenomenal de deixar aquilo absurdamente limpo no dia seguinte). E me ocorreu que essas pessoas provavelmente são aquelas que delegam a outros funções que as aborrecem ou que achem indignas. A função trivial de dar o destino apropriado ao seu próprio lixo.<br /><br />E pensei mais. Eram muitas pessoas na praia e muitos cocos na areia, logo, era muita gente que não sai do seu lugar sequer para dar cinco passos até uma lixeira e jogar seu lixo lá dentro. Será que essas pessoas saem do seu lugar para coisas mais importantes e mais difíceis de se fazer (como trabalhar em soluções para o bem estar coletivo de moradores e empregados dos seus condomínios, do seu bairro, da sua cidade), ou delegam isso a outros também?<br /><br />Eram muitos cocos. É muita gente que estabelece essa relação de dependência quando se recusa a fazer algo que exige que ela se mova. Porque escolher não fazê-lo não elimina a sua necessidade. Então se ela se furta de discutir planos para ocupação dos espaços urbanos, por exemplo, ela delega essa função a um político. Este político, que deveria ser um representante dessa pessoa adquire uma autonomia (e, portanto, uma potencialidade de poder) que não corresponde com a sua função. A apatia do cidadão cria mandatários muito mais poderosos do que deveriam.<br /><br />De repente eu entendi porque somos um povo que dá tanta bola para os políticos. Porque somos um povo (desleixado) que espera eternamente que os bons exemplos de conduta e ética venham de "cima" (DE CIMA!). Porque estamos sempre buscando por líderes e heróis que nos mostrarão o caminho ou o que fazer e que nos conduzirão como crianças aqui e ali.<br /><br />Sob uma perspectiva anarquista, digo tudo isso em tom de repreensão, e convoco para um momento de reflexão sobre quem vocé é e qual o seu papel na sociedade. A quem você serve?<br /><br />Cocos na areia em volta de uma lixeira.</span>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-88998408115563094482015-08-06T13:24:00.000-03:002015-12-09T16:21:35.130-02:00Preconceito: o meu e o seuDentre as muitas causas possíveis, estive pensando como o preconceito (dos mais graves e violentos até os mais banais) tem uma raiz fincada na falta de empatia pelo outro. E aí eu me deparei com um nó lógico, porque eu não consigo distinguir o que é a causa ou a consequência: a falta de empatia, e o fechamento da visão de mundo em si mesmo, ou seja, quando uma pessoa toma a si mesma como medida de todas as coisas.<br />
<br />
Vou pegar um exemplo, que foi o que deu ignição neste pensamento ontem, enquanto estava no ônibus, preso no trânsito, e já peço desculpas adiantadas a todo mundo (e é muita gente, acho que a maioria dos meus amigos está entre eles) que está no alvo do meu preconceito:<br />
<br />
Tatuagens.<br />
<br />
Luto contra um preconceito meu contra tatuagens. E embora eu não possa esperar que me perdoem por ele, ao menos eu localizei a sua causa. A causa está em mim mesmo.<br />
<br />
Preconceito é uma reação irrefletida a uma situação que não se encaixa em um padrão óbvio. Falo de padrões porque eles são mais ou menos construídos inconscientemente na nossa mente, porque nenhum preconceito resiste à razão. É imprescindível, para que haja preconceito, que a razão esteja momentaneamente suprimida. Uso como exemplo aqui um truque que qualquer um pode fazer em casa. Vá para o banheiro e, à meia luz, olhe-se nos olhos fixamente através do espelho por uns 5 minutos. O que é uma imagem processada conscientemente no início (você, a parede atrás de você, a toalha pendurada ao lado, o vaso quase fora do campo de visão no canto abaixo, etc.) aos poucos parece obscurecer enquanto você mira seus olhos. O seu corpo e o seu rosto (assumindo que você continua fixo nos seus olhos) podem começar a parecer estranhos, enquanto tudo em volta começa a ficar obscurecido e confuso. Porque você forçou o seu cérebro a fixar a atenção em um detalhe, onde ele estabeleceu um padrão, e tudo em volta, à medida em que se afasta do foco de atenção, fica cada vez mais confuso, porque o cérebro "se esqueceu" de processar aqueles padrões, que continuam lá, e os substituiu por imagens do inconsciente ou o que quer que estivesse na fila para se expressar ali e "preencher" esse vazio cognitivo. Descrever o mundo sob a ótica do preconceito é como descrever as assombrações que apareceram no espelho durante a experiência.<br />
<br />
Antes de voltar às tatuagens, vou contextualizar um pouco. Durante a infância e a juventude nunca passei necessidades. Meu pai tinha um emprego que pagava bem e nossa família teve algum conforto. Até meus vinte e poucos anos eu tinha esse backup financeiro em casa que fez com que eu não me preocupasse em trabalhar e conquistar meu próprio dinheiro. Eu nunca fui consumista, e, de fato, mesmo vivendo com essa tranquilidade, foi n começo da faculdade que eu comecei o hábito de economizar o almoço para guardar dinheiro para outras coisas. Eu poderia simplesmente pedir para o meu pai, mas eu sentia que não era correto. Mesmo ainda vivendo sob o mesmo teto, quando comecei a ganhar meu próprio dinheiro eu nunca mais pedi nem aceitei dinheiro dele. Minhas viagens, meu lazer, minha comida, meu transporte, meu plano de saúde, e a conta de uma das linhas de telefone de casa (a que a gente usava para internet), eu que pagava. Quando eu tinha mais do que precisava, ia para uma poupança, porque sempre tem uma emergência de última hora que exige um capital disponível (e teve!). Quando eu não tinha, eu não fazia nada disso (e, eventualmente, me desfiz do plano de saúde e do telefone, e a tal poupança veio muito bem a calhar durante a penosa fase em que todos estavam desempregados). Minhas responsabilidade com dinheiro veio espontaneamente e aos poucos, mas a minha real noção de administração de dinheiro de casa veio de uma vez quando me mudei com minha então namorada, resolvendo esse processo em apenas duas semanas, e absolutamente tudo que eu fazia para mim, para nós, e para a casa precisava caber dentro do que eu ganhava na época. Com o meu histórico de poupador (novamente a minha poupança reconstruída nos dois anos anteriores foi extremamente providencial, porque os custos todos para alugar e equipar a casa e arcar com outros custos drenaram-na completamente no primeiro momento) isso acabou não sendo um problema, e, novamente, quando o dinheiro encurtava, eu cortava onde podia.<br />
<br />
Administrando uma renda compatível com a classe média *média* eu consigo prover a mim e minha esposa de algum conforto, mesmo que, de vez em quando, eu precise cortar alguma coisa para chegar ao final do mês com dinheiro (desde o começo do ano até receber um aumento no mês passado, eu passava metade do mês evitando de almoçar para não gastar com comida, como eu fizera no passado, porque eu sabia que era um corte no orçamento que eu, pessoalmente, podia tolerar). É tudo apertado, para que não falte nada, o que me tira a possibilidade de gastar com extravagâncias e coisas sem utilidade prática. Some-se a isso ainda que ninguém na minha casa tem tatuagens ou já considerou fazê-las, de modo que isso também entrou no meu padrão mental.<br />
<br />
Então, quando eu vejo um cabra com um braço inteiro tatuado, imediatamente me vem na cabeça: ele vive da grana do pai (especialmente quando ele é jovem demais para construir alguma coisa sozinho), porque ninguém que viva do próprio trabalho e tenha R$ 1500,00 pra encher um braço de desenhos bota comida na mesa. Não é sempre que isso acontece, mas eu preciso me esforçar para bloquear esse pensamento<br />
<br />
Eu sei que é horrível isso. E eu encontrei o motivo de pensar assim.<br />
<br />
EU ESTOU ME USANDO COMO MEDIDA.<br />
<br />
Porque eu nunca tive como dispor de R$ 1500,00 na vida para qualquer coisa que não fosse comer e morar, eu penso automaticamente, atendendo aos meus padrões mentais, que se alguém dispõe desta quantia para algo meramente estético é porque não passa necessidade, ou não é responsável pelo sustento de ninguém. Eu penso nessa quantia em termos de "compras do mês", "passagens de ônibus", "latas de massa branca", nunca em algo que não seja vital para mim ou para a minha família. E se eu não paro, começo a associar a tatuagem com vaidade, surge uma sensação de desprezo e auto-exaltação, e começo a construir uma imagem da pessoa absolutamente minha.<br />
<br />
O tempo inteiro eu procuro combater meus preconceitos praticando o desapego a mim mesmo, uma desconstrução do que eu tenho como certo e errado. Tirando os meus próprios padrões do caminho, construídos sob uma ótica absurdamente limitada das minhas próprias experiências, eu me torno mais capaz de exercitar a empatia, e a compaixão, de "calçar os sapatos do outro", de compreender que é perfeitamente possível que eu esteja completamente errado (meu exercício começa com a pergunta "e se eu estiver errado?"), e não cair na armadilha do julgamento. Embora o caminho até a compaixão universal seja longo e eu ainda não consiga ver o seu final, essa prática alivia a minha mente quando isso evita que eu fique matutando sobre a vida dos outros sem conhecimento.<br />
<br />
Entender de onde vem o preconceito não pode servir como justificativa para você continuar praticando-o, como se isso fizesse parte de você. Seu pâncreas faz parte de você. Você é o que você constrói. E parte dessa construção é a desconstrução do que não é bom. Não significa tampouco que você deva aderir ao que quer que seja (por exemplo, que eu deva ir a um tatuador agora mesmo). Apenas que você reconhece que as pessoas podem ter muitos bons motivos, circunstâncias e contextos para fazer o que você normalmente não faria, e que você, por outro lado, também tem suas atitudes reprováveis que, para você, fazem todo sentido. O resto é cinismo.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-85103147267132325652015-07-21T14:24:00.002-03:002015-07-21T14:24:49.369-03:00FériasSer um bolsista acadêmico, independente do valor da bolsa, é estar no estrato mais baixo do mercado de trabalho: o único direito que você tem é o que o coordenador do projeto, responsável pela sua bolsa, considera que você tem, o que pode até ser nenhum. Minha chefe, em reconhecimento aos resultados, concedeu uma semana de folga (isso que eu chamei de férias) a todos os bolsistas do projeto. Isto foi na semana passada.<br /><br />Eu tinha o sonho, desde o ano passado (<a href="http://moninho.blogspot.com.br/2014/05/sugestoes-de-viagem-penedo-rj.html">quando eu "fugi" por três dias com a minha esposa</a>, nas férias dela) de ir a Buenos Aires. Mas como eu não tinha dinheiro para viajar, decidi que passaria as férias no Rio, aproveitando a cidade como um turista. Como um turista sem dinheiro. Então roteirizei (mas nem sempre segui meu roteiro) de acordo com as ofertas disponíveis em cada dia, de modo que me apoderei da cidade. Tirando o primeiro sábado, em que fiz questão de ficar em casa de pernas para o ar, o primeiro domingo, em que tive meu dia de beleza, e a quarta, em que tive que preparar comida para a semana, todo dia fui a algum lugar ou evento legal e barato (ou de graça). Só gastei dinheiro com comida:<br /><br /><b>Segunda-feira</b>: de posse do meu Passaporte Carioca (uma caderneta distribuída gratuitamente que permite a entrada franca em uma série de museus pela cidade, com listas de museus abertos especificamente em cada dia da semana), fui ao Centro determinado a ir a alguma exposição disponível naquele dia. Por falta de informação sobre o que estava em exposição, além da óbvia mostra de Picasso no CCBB (cuja fila torna a visita casual meio proibitiva), resolvi aproveitar que naquela semana rolava o Anima Mundi para tentar ver algum filme. Infelizmente cheguei 20 minutos depois do início de uma sessão no Cine Odeon, então peguei o livreto do festival e vi que tinha uma sessão dali a pouco no Maison de France, no Consulado Francês, de graça. Assisti O Planeta Selvagem, animação franco-tcheca muito louca com seios alienígenas de fora e genocídio.<br />
<br />
Depois do filme rodeei o Paço Imperial, onde pedaços de lona com trechos de poesias estão espalhados pelo chão e pela fachada do prédio. De lá fui experimentar o hamburguer do Beco do Hamburguer. Jesus seria muito mais popular se ao invés de pão puro ele tivesse multiplicado esse hamburguer. Depois de lubrificar as artérias, muito satisfeito, pensei em ir para casa. Mas no caminho estava o Paço de novo, e a sua maravilhosa livraria, com títulos exclusivos e um sebo respeitável que me obrigaram a gastar mais dinheiro.<br /><br />Eu teria ficado por ali e pegado um ônibus para casa, mas decidi ir até o ponto final dele, na Av. Churchill, e decidi ir pelo caminho menos óbvio. Desci em direção à estação das barcas, onde não ia desde antes de demolirem o Elevado da Perimetral. Caminhei pela calçada na beira do mar ao longo do antigo mercado da Praça XV e contornei o Museu Histórico Nacional (que eu prometi a mim mesmo ir visitar ainda este ano).<br />
<br />
<b>Terça-feira</b>: Com o Passaporte Carioca, pretendia ver dois museus disponíveis naquele dia: o do Forte de Copacabana (cuja entrada, sem o passaporte, é R 6,00) e o da Fortaleza de São João, na Urca. Desta vez acompanhado da minha esposa, pelo horário, resolvemos ficar em Copacabana. O museu está expondo sobre a Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial, e tem uma exposição fixa bem cuidada sobre a história militar no Brasil. Antes do sol se pôr nós tomamos um farto chá da tarde na Confeitaria Colombo lá dentro, olhando para a enseada de Copacabana.<br />
<br />
De lá, partimos de bicicleta para o Leblon. Antes de tomar um ônibus, caminhamos um pouco, fomos ao Shopping Leblon e fizemos a farra na loja da Lindt.<br />
<br />
<b>Quarta-feira</b>: Cozinha :P<br />
<br />
<b>Quinta-feira</b>: Por conta do seu trabalho como voluntária no Comitê Rio 2016, minha esposa ganhou dois ingressos para o jogo Brasil x Estados Unidos pela Liga Mundial de Vôlei (cujo preço eu nem imagino). A fase final da Liga no Maracanãzinho também era o evento-teste para a competição de vôlei na Olimpíada do ano que vem, então era a oportunidade para ver como vão ser as coisas quando chegar a hora (não tenho nenhuma crítica específica, por sinal). Fomos ao Maracanãzinho na faixa. Brasil ganhou, ganhamos camisetas e desodorantes Nivea, mas o time acabou desqualificado pela combinação de resultados da sua chave :P<br />
<br />
<b>Sexta-feira</b>: Dia de voltar às raízes e visitar meus pais e ficar com meu sobrinho na Ilha de Guaratiba. Não sem antes uma passada pelo folclórico Calçadão de Campo Grande.<br />
<br />
<b>Sábado</b>: Levei meu sobrinho a uma festinha de aniversário com minha esposa e ele se divertiu horrores.<br />
<br />
<b>Domingo</b>: Levei minha esposa, meus pais e meu sobrinho a um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira na Cidade das Artes, na Barra, do programa Concertos Para a Juventude. Foi o evento mais caro dessas férias: R$ 1,00 a entrada (e na apresentação do canhoto em qualquer concerto da OSB até dezembro ganho 50% de desconto no ingresso).<br /><br />Minha primeira vez na Cidade das Artes, e minha primeira vez com a OSB. Meu sobrinho tem 2 anos e meio e ficou vidrado na orquestra, e perto do final ele começou a imitar o maestro a reger. Na saída, no colo do meu pai, enquanto dizia como "fazia música" imitando o regente, ele viu os músicos saindo do prédio com seus instrumentos, e ele dizia: "tchau, músicos".Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-74913262191497644362015-07-04T15:54:00.001-03:002015-07-04T15:54:30.003-03:00Um cientista!<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px;">
O prédio do herbário do Jardim Botânico tem uma porta envidraçada trancada por senha. Quando eu dobrei o corredor e fui pra porta, dei de cara com mais de 20 crianças de uns 4 anos uniformizadas. Enquanto eu pensava se voltava e saía pela portaria, uma delas apontou pra mim, encantada:</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
- Um cientista!</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Decidi encarar. "Um cientista!" "Você é um cientista?". O professor resolveu tudo comigo ali em três palavras e dois olhares.</div>
<div class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">
<div style="margin-bottom: 6px;">
-Eu sou um cientista. Eu estudo plantas.<br />-Que planta você estuda?<br />-Eu estudo a planta que faz chá.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
O professor interveio contando que D. João comia muito, e aí quando ficava de barriga cheia ele tomava chá, e eu completei dizendo que por isso ele plantou os pés de chá no Jardim. O professor disse para as crianças se despedirem, e cada uma disse:</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
-Tchau cientista!</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Acho que eu vou virar tema de trabalho de casa de alguém essa semana.</div>
</div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-80870577436386844752015-07-04T15:52:00.003-03:002015-07-04T15:52:33.120-03:00Cada um fazendo a sua parte<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px;">
Qualquer pessoa mental e espiritualmente sã entende que deve-se lutar por igualdade. Muda-se a prática: alguns tem mais atrevimento do que outros, e mesmo os que se mantém passivos, tenho certeza que esperam e torcem para que outros estejam lutando em seu lugar.</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Das muitas lutas que se trava todo dia e que eu conheço de perto , vou destacar três frentes que eu acompanho diariamente: feminismo, ativismo LGBT, movimento negro.</div>
<div style="background-color: white; color: #141823; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Minha empatia me faz abraçar essas causas, mas, nat<span class="text_exposed_show" style="display: inline;">uralmente cauteloso, eu escuto primeiro. Assim, percebi que pode ser um equívoco tomar a linha de frente, definir pautas e estratégias, advogar as causas, porque eu obviamente não sou mulher, nem LGBT (na época em que se definia por GLS, eu ainda era o S) e nem negro. Não experimento suas dificuldades e não experimento diretamente suas conquistas. Por mais simpático que eu possa ser, eu ainda sou um homem branco cis hétero que se aproveita passivamente de uma sociedade estruturalmente machista, e tudo que eles não querem é serem representados por mim.</span></div>
<div class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #141823; display: inline; font-family: helvetica, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 19.3199996948242px;">
<div style="margin-bottom: 6px;">
Uma pessoa mais estúpida os consideraria, portanto, inimigos. Há ativistas do outro lado que também enxergam dessa forma. Eu, contudo, compreendo a posição e a respeito. Mas isso não significa que eu ou ninguém que sofra esse não pertencimento deva permanecer de braços cruzados. Porque eu não posso lutar as lutas das mulheres, de LGBT e nem dos negros, mas se o machismo está em mim, se o preconceito sexual está em mim, se o racismo está em mim, não é menos do que a minha obrigação lutar para destruí-los todos os dias. E de cada um de vocês. Assim lutamos por uma sociedade justa, cada um onde lhe compete, para a cooperação de todos.</div>
</div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-40256519599742485882015-06-09T15:05:00.004-03:002015-06-09T15:05:37.209-03:00Novo blogHá três semanas lancei um novo blog, onde dou vazão a dois hábitos meus, o de querer saber o que aconteceu num dia no passado, e de escrever sobre isso. É o <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/">Efemérides</a>.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-1924736147097521282015-05-21T09:21:00.002-03:002015-05-21T09:21:19.942-03:00O Sinistro<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Todas as atividades que me
dão prazer, as tenho realizado por motivos práticos: por inércia (trabalho,
sociais), para preencher lacunas de tempo (ler, escrever, desenhar, games, música), ou
por obrigação (comer, pedalar). Nenhuma delas pelo prazer que proporcionam.
Isso tem me esgotado sobremaneira. Isso tem convergido e se
manifestado em estafa, indiferença, e sonhos perturbadores, como esse abaixo. É preciso desacelerar:<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">"São 4 da manhã e eu
estou escrevendo na esperança de tirar um sonho da cabeça e voltar a dormir.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Tudo começou quando ouvi
falar que existia um filme sobre dois dançarinos que conquistavam pessoas e
despertavam paixões enquanto competiam entre si. Era um dançarino espanhol e
outro egípcio. Eram dois estereótipos cômicos dos anos 50 de amantes exóticos
que faziam as mulheres suspirar com o poder dos seus bigodes e do seu sapateado. Ambos se chamavam algo como "Pés-dançantes-e-quadris-pulsantes" nas suas respectivas línguas (a língua do
egípcio era francês), e um contra o outro era o nome do filme. Era esse o nível de absurdo.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Até aí foi divertido.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Acontece que esse filme
evocava um ser maligno, que não tinha nome, mas vou chamar de Sinistro. Ele
apareceu da seguinte maneira:<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">De alguma forma eu me vi
participando do filme como figurante ou expectador ao vivo. Entre uma cena e outra, eu me vi com dois espanhóis
encostados num carro, na praia do Leblon, conversando sobre diferentes formas
de se pronunciar as mesmas palavras em diferentes lugares em espanhol e
português. Vale dizer que era noite, e que o sonho inteiro se passava à noite.
Foi quando passaram por nós dois garotos correndo. Eram dois meninos negros sem
camisa, de no máximo 5 anos. Correram em direção ao rochedo no começo da praia,
onde fica a colônia de pescadores. Eles estavam machucados e assustados, e eu
vi que precisavam de ajuda. Fui até eles e detive um pelo ombro. O outro
fugiu, e ele se debatia mesmo quando eu ofereci ajuda.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Então surgiu um homem com uma
capa de chuva preta, capuz cobrindo a cabeça. Numa fala calma, mas bastante
afetada, ele dizia que agora estava tudo bem, me agradecia, e falava
amigavelmente com o menino. Eu o soltei. O homem o pegou pelo braço, o ergueu
do chão, e começou a devorar uma perna. O menino urrava de pavor.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Fiquei desorientado por uns
momentos. Quando me dei por mim, estava estabelecido que esse Sinistro seria um
assassino em série que tinha preferência por mulheres e crianças, que ele
devorava ainda vivos.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Eu estava entre fugir e acabar com ele, quando
o encontrei novamente, comendo a carne de outra criança. E eu pude ver a sua
aparência: Era um homem muito alto, mas muito curvado que o fazia mais baixo
que eu. Parecia nu sob a capa. Sua pele era branca, mas ela desaparecia nas articulações dos membros, expondo restos de carne arruinada; o rosto parecia
ser composto por retalhos, com lábios, nariz, bochechas, testa como se tivessem
sido colados separadamente um sobre o outro, e não tinha cabelo. Não lembro de
olhos. Numa atitude macabramente cortês, como antes, ele me explicou porque fazia aquilo.
Deus havia criado o homem imperfeito e fomentado o pecado plantando uma árvore
proibida no Éden, resultando inevitavelmente em sua queda. Sendo a queda programada e o pecado um aspecto do divino,
ele entendia que cometer os pecados mais abomináveis - o assassinato de
inocentes e canibalismo - eram uma forma de adoração mais elevada. Ele sinceramente acreditava estar praticando o bem maior.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Ele então mudou subitamente de atitude e
partiu furiosamente para cima de mim, querendo me matar ou me comer vivo. Eu
tentava escapar, mas o tempo todo ele quase me agarrava. Consegui pegar um
machado e golpeava a esmo tentando afastá-lo. Consegui golpeá-lo na cabeça, mas
ao ver que isso não o matava, golpeei várias vezes, destruindo seu crânio. Mas
nem isso o detinha.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Nessa hora acordei, e ainda
tomei um baita susto ao olhar as roupas pretas penduradas num gancho na parede
do meu quarto. Respirei por alguns momentos, rolei na cama com o sonho fresco
na memória e voltei a dormir. E voltei a sonhar.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Neste outro sonho, que também
se passava à noite, eu estava na rua (a mesma rua onde encontrei o Sinistro pela última vez), entre os meus colegas de trabalho, e eu
contava a eles o que tinha acabado de sonhar. Foi aí que eu concluí que o filme
dos dançarinos continha uma maldição, e que além disso, outros objetos em cena,
como umas varas de bambu que compunham uma das cenas do filme (e que estavam
ominosamente ali presentes naquela outra "realidade") também
continham uma energia negativa. Procurei jogar tudo fora.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Uma das minhas colegas, que é
espírita, começou a falar de algo que ela chamou de "seres transversos",
que eram espíritos que habitavam as casas e circulavam livremente nelas, nos
atravessando o tempo todo sem percebermos, por serem imateriais, mas que nos
influenciavam positiva ou negativamente.<br /><br /><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Eu me vi num prédio, e
eu podia ver o interior do prédio como se olhasse um recorte vertical
esquemático dele, ao mesmo tempo em que eu me via dentro dele, cercado por paredes. E eu podia ver "seres transversos" fluindo suavemente por toda a construção, subindo e descendo em diagonais, indo de um lado para outro. Eles eram de luz. Mas entre eles
havia um único vulto furtivo que vez ou outra surgia de relance. Então, de
repente, num susto, ele apareceu claramente na minha frente. Sua forma era uma espécie de
anel grosso e negro, com um rosto angulosamente estilizado no estilo maia entalhado. Eu
entendi que ele era a razão de eu ter tido aquele sonho anteriormente. Então eu
enxergava tudo escuro em volta dele, e conforme a minha angústia aumentasse, eu
via chamas. E de repente os seres de luz sumiram, e o meu prédio era uma coluna
espiral de fogo em fúria. Era o próprio inferno, e o tal anel flutuava e girava
no meio de tudo, e eu tentava sair desesperadamente. Gritava, pedia por
socorro, mas eu estava só.<br /><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="EN-US" style="font-size: 12pt; line-height: 115%;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%;">Então, por um momento, no
meio desse caos, eu não enxerguei paredes. Eu podia ver a rua. Me arrastei para
fora dali, e a visão desapareceu. Meus colegas ainda estavam ali, me olhando
com estranheza, porque só eu tinha visto aquilo. O prédio nunca havia existido.
E eu entendi que o prédio, e todos aqueles seres que o habitavam... eram
eu."</span></span></div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-37674271995326870832015-04-10T11:17:00.000-03:002015-04-10T11:21:33.726-03:00A lenda do Preste João<div style="background: white; margin: 0cm 0cm 4.5pt;">
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">O tempo inteiro o ser humano é desafiado a tomar decisões. A grande bifurcação na vida de toda pessoa é o momento em que ela deve decidir entre perseguir um sonho ou usar o que tem nas mãos para fazer o melhor que pode. A utopia e o pragmatismo. </span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">No segundo caso, é possível prosperar com alguma sorte (a sorte de você ter em mãos ou ao alcance delas recursos para alavancar os seus planos, por exemplo), elevando a sua posição ao máximo que o pavimento onde ela se alicerça pode lhe dar. Mas não vai sair muito disso.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">No primeiro, a única certeza é o caminho. A utopia, por definição, é o ideal inatingível. Esperar pela utopia é, portanto, ter certeza de uma decepção. Mas a busca pela utopia nos leva a caminhos impensáveis, que, assim desbravados, abrem novas possibilidades para todos.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">A linha do tempo da humanidade foi desenhada por essas escolhas.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Feito esse preâmbulo, deixe-me apresentar a lenda do Preste João:</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Em meados do século XII, começaram a circular pela Europa informações de uma carta endereçada ao imperador bizantino Manuel Comnenus assinada por um certo Preste João. A carta era uma espécie de pedido de socorro e ao mesmo tempo uma oferta de ajuda. Preste João se dizia descendente de um dos Reis Magos, e ele mesmo era rei de um país cristão localizado na Ásia, e estava lutando em desvantagem contra exércitos de infiéis (muçulmanos e pagãos) dos reinos que o cercavam. A carta também descrevia o reino de Preste João repleto de riquezas, como pérolas, pedras preciosas, uma fonte da juventude, e criaturas fantásticas como aves gigantes e homens chifrudos com três olhos atrás da cabeça.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">A carta obviamente era uma farsa. Mas para a Europa do século XII, em que previsões do Fim dos Tempos iam e vinham como a chuva, e cujo conhecimento do mundo além da Pérsia e do norte da África era baseado em rumores e lendas, coisas como homens-porcos eram perfeitamente possíveis, ou informações que um governante educado poderia ignorar como recurso estilístico para ressaltar a exoticidade de alguém que prometia ser dono de riquezas inimagináveis, ou um exército contra um inimigo comum e imediato e que poderia destruir tudo a qualquer momento. E era isso que importava. O autor da carta dava credibilidade ao seu relato citando a Igreja Nestoriana, a denominação cristã dominante da Ásia e que a Europa mantinha contato através da Pérsia, e lá residia o Patriarca da Igreja de São Tomé, que sabidamente existia na Índia desde o século I - fosse Preste João católico e estivesse jurando obediência ao Papa, por exemplo, a farsa seria mais evidente. A carta estar endereçada ao imperador bizantino, de cuja Igreja havia se originado o nestorianismo séculos antes, também foi sagaz.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Eventualmente a carta chegou ao Papa Alexandre III, que, em 1177 enviou uma comitiva para o oriente para encontrar Preste João e entregar-lhe uma resposta. Ele esperava sinceramente que Preste João se tornasse um aliado na luta perpétua de cristãos e muçulmanos no Oriente Próximo. Os mensageiros nunca retornaram. Apesar disso, aventureiros europeus continuaram forçando o caminho para o leste em busca do reino de Preste João e suas riquezas, tateando por rumores e suposições, geralmente esbarrando em muçulmanos ou assaltantes, ou apenas voltando de mãos vazias.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Cerca de 40 anos depois da comissão de Alexandre III, o Bispo de Acre trouxe boas notícias da Quinta Cruzada, rumores de um poderoso rei que marchava no leste contra os infiéis na Pérsia. Uma onda de otimismo invadiu a Europa, e muitos acreditavam que Preste João, ou provavelmente um de seus descendentes chamado Davi, estava vindo para ajudá-los.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Infelizmente, não era o Preste João. Era ninguém menos que Genghis motherfucking Khan.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Genghis havia conquistado a Pérsia e destruído Bagdá, pelo que os cristãos europeus ficaram eufóricos. Eles, que estavam bem preparados para ataques árabes na Palestina e na Anatólia, mas não para as hordas mongóis vindas da Rússia, só perceberam realmente o que estava acontecendo quando, de assalto, os mongóis, sob o filho de Genghis, Ogedei, devastaram a Polônia e a Hungria, e só pararam por aí porque o mesmo Ogedei morrera e seus generais tiveram que voltar à capital Karakorum para eleger o novo Khan.</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Apesar disso, a lenda de Preste João persistiu por muito tempo, apoiada em relatos de exploradores confiáveis. Marco Polo descrevia Genghis Khan como um vassalo de Preste João que teve a audácia de pedir uma filha sua em casamento, e a recusa ocasionou uma guerra na qual João perecera (Temudjin realmente tomou uma cristã nestoriana como esposa para um dos seus filhos, fato que levou a uma guerra contra o pai da moça, o khan karaíta e nestoriano Toghrul). A maioria dos relatos pós-mongóis posicionavam Preste João como um dos reis derrotados por Genghis Khan, mas sugeriam que seu reino ainda existisse em algum lugar na China ou na Índia, ou mesmo na África, onde os reis etíopes preservavam o cristianismo apesar de um relativo isolamento com as nações européias devido à expansão islâmica (o missionário Jordanus, em 1329, diz que o rei da Etiópia do seu tempo era o tal Preste João, e em 1441 os embaixdores do imperador Zara Yacob no Concílio de Florença ficaram confusos quando os clérigos europeus insistiam em se referir ao seu senhor como Preste João. É provável que os imperadores etíopes sequer tenham ouvido falar do Preste João até meados do século XVIII).</span></span><br />
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;"><br /></span></span>
<span style="color: #141823; font-family: Helvetica, sans-serif;"><span style="font-size: 14px; line-height: 19.3333339691162px;">Viajantes europeus, e mesmo governos nacionais (mais de uma expedição marítima portuguesa para o leste teve a incumbência de localizar o Preste João) procuraram o reino por 500 anos. Por mais legendário que fosse, foi uma das forças motivadoras para os europeus para a exploração do mundo fora da Europa, e abriu caminho para o intercâmbio cultural, científico e tecnológico entre regiões anteriormente tão isoladas por barreiras culturais e políticas.<br /><br />P.S.: Não faço a menor ideia de como a configuração do texto deste post ficou assim.</span></span></div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-10505861018171215862015-03-20T16:38:00.002-03:002015-03-20T16:38:34.839-03:00De bike por aí - experiências, críticas, etc. com o Bike Rio e as ciclovias da cidadesSou um homem obeso de 36 anos que passou 3/4 da vida sustentando uma massa corporal de três dígitos. Alguém imaginaria meu sofrimento em subir escadas ou caminhadas longas. Não é o caso, sempre trabalhei minha resistência ao esforço prolongado (mais do que em exercícios anaeróbicos), caminhando sem limite para parar. Isso nunca diminuiu meu peso, mas pelo menos me ajudou a estabilizá-lo na faixa de 105-110 kg nos últimos 20 anos sem que eu mexesse na minha dieta de gordo. E me tornou muito resistente.<br />
<br />
<b><span style="font-size: large;">Bike Rio e a estrutura que a cidade oferece</span></b><br />
<br />
No começo deste ano resolvi andar de bicicleta, em parte por ter um cartão de crédito, em parte por ter perdido a linha no fim do ano. Me cadastrei no sistema Bike Rio e comecei a mandar brasa. O sistema impõe um limite de no máximo 60 minutos a cada viagem, de maneira que as minhas metas de tempos e distâncias, e de ir daqui pra lá, precisam estar dentro desse limite.<br />
<br />
O sistema inclui uma rede contínua de estações na Zona Sul, no Centro e na Grande Tijuca. Ainda possui uma outra rede separada desta, entre Barra da Tijuca e Recreio, e, isoladas, uma estação na Rocinha e 4 no Parque de Madureira. As rotas precisam levar a disponibilidade de estações no caminho em consideração.<br />
<br />
Onde eu moro não é coberto pelo sistema. São mais de 3,5 km de distância até a estação mais próxima. Mas como trabalho na Zona Sul, tem sempre uma estação por perto. Por isso, eu circulo principalmente entre Jardim Botânico, Lagoa, Leblon, Ipanema, e no eixo de Botafogo entre o Jardim e a Praia de Botafogo. Outra região que eu costumo pedalar é na Grande Tijuca, entre Tijuca, Praça da Bandeira, Maracanã e Vila Isabel. Uma ou outra vez eu fui da Zona Sul ao Centro, mas já é uma viagem longa que exige um intervalo 15 minutos para a troca de bicicletas no meio do caminho. E tem sempre o risco de você não encontrar uma bicicleta livre e ficar por ali mesmo.<br />
<br />
A Zona Sul é fácil. As ciclovias são abundantes, e quando não são, as calçadas são geralmente largas e relativamente bem conservadas. No Centro as ciclovias começam a desaparecer. O corredor mais seguro para ir do Centro para a Grande Tijuca é atravessando a Lapa, a Cruz Vermelha, o Catumbi e o Estácio, mas não existe ciclovia, e mal existe calçada nessa rota, de maneira que o ciclista precisa seguir o fluxo do trânsito grande parte do tempo. Durante a semana, no horário de início de noite, além do tráfego pesado de carros e ônibus, é muito perigoso nessa região, e quem anda de Bike Rio tem pelo menos um celular a ser roubado. Isso me impede de ir do trabalho até o mais próximo possível de casa de bicicleta. A Grande Tijuca também carece de ciclovias, mas o trânsito é mais contornável e mais seguro.<br />
<br />
Por conta do trânsito, eu acabei percebendo que é possível cortar caminho de bicicleta e encurtar o tempo que seria gasto com ônibus para ir de ponto A a ponto B. Encurtar significativamente. Num trecho aqui na Zona Sul, no fim de tarde, o ônibus demora cerca de 50 minutos para chegar no túnel Rebouças. De bicicleta, eu chego na cara do Rebouças em 15. Então eu passei a usar essas bicicleta não tanto para lazer e exercício, mas para poupar tempo.<br />
<br />
<span style="font-size: large;"><b>As dificuldades</b></span><br />
<br />
Circular pela cidade tem seus contratempos. São muitos carros, sinais de trânsito, outras bicicletas, e pessoas que é preciso respeitar. É preciso estar atento o tempo inteiro. Inclusive com a bicicleta. Como a bicicleta não é "sua", cada uma que você pega tem um comportamento diferente em que você precisa se adaptar, frequentemente com algum defeito. Essas bicicletas são muito pesadas e muito duras, embora a constituição delas não seja robusta como uma Barraforte. São vários os problemas mais frequentes, e a maioria deles não é óbvia na hora de pegar uma bike. Eles são:<br />
<br />
-Pneu baixo, careca, ou terminantemente arrebentados com as câmaras vazias puxadas para fora;<br />
-Freio fraco ou estourado;<br />
-Câmbio. Acho que é a parte mais problemática. Muito comum a segunda marcha não encaixar, e a terceira deixar a correia pulando, fazendo o pedal girar em falso. Nos casos mais críticos, a correia escapa nessa situação;<br />
-Espelhos arrancados - não que eles sejam muito úteis de qualquer maneira;<br />
-Bancos que não sustentam o seu peso e abaixam de repente, ou não ficam devidamente travados de giram enquanto você pedala;<br />
-O guidão é feito de um alumínio muito fino que <a href="http://moninho.blogspot.com.br/2015/03/bike-rio-alerta-aos-usuarios.html" target="blank">se quebra com frequência assustadora</a> (duas vezes comigo, outras tantas pelo que eu já vi em bikes estacionadas por aí);<br />
<br />
Isso tudo, aliado com espaços inadequados em boa parte da área coberta pelo Bike Rio atrasa bastante as coisas. Seria interessante se a prefeitura, que é parceira do Itaú neste projeto, também abrisse espaço para outros serviços similares. A concorrência seria salutar. E é imperativo expandir o sistema de ciclovias, mas não como fizeram na região de Campo Grande - pintando calçadas já existentes de vermelho, deixando postes, árvores e tudo mais no meio do caminho. O uso de faixas estreitas no canto das ruas no Centro e na Tijuca tiveram pouco impacto no trânsito no local, e são alternativas mais viáveis para regiões completamente ocupadas e populosas, como o Grande Méier ou a parte da Zona Norte "do lado de lá" da linha do trem, que é praticamente impossível de se conectarem por bicicleta com o resto da cidade por falta de espaços para isso.<br />
<br />
O Bike Rio, em tese, tem caminhonetes circulando pela cidade com técnicos, e reboques para levar bicicletas defeituosas, ou transportar bicicletas de uma estação cheia para outras mais vazias. Mas esse serviço não é imediato, e é possível que certas estações fiquem vazias por vários dias, ou com bicicletas quebradas presas a elas.<br />
<br />
<span style="font-size: large;"><b>De grão em grão a gente perde um quilograma</b></span><br />
<br />
De qualquer maneira, eu fiz uma contabilidade do meu desempenho, desde o dia 12 de janeiro último, quando comecei, até hoje, a tarde do dia 20 de março. Desconsiderei nessas contas trajetos muito curtos (com menos de 2 km, facilmente transponíveis a pé), o que mascararia os resultados finais com dados pontualmente insignificantes (aumentaria muito a quantidade de dias pedalados, de percursos e velocidade média, diminuiria muito a distância média por percurso, sem que isso demonstre algum ganho de tempo e saúde pela atividade).<br />
<br />
Do dia 12/01 até agora, a tarde do dia 20/03, foram efetivamente 34 dias pedalando em 47 percursos (ou trechos, por exemplo, ao pedalar um trecho, depois pegar um ônibus, e mais tarde pedalar outro trecho. Ou pedalar de manhã, e depois à tarde no mesmo dia).<br />
<br />
Neste período eu percorri 312,2 km, a uma velocidade média de 10,97 km/h. Os percursos tiveram distância média de 6,47 km, e o mais longo deles, 12,7 km (vencidos em 65 minutos). Atingi o meu 300º quilômetro ontem, na Praça da Bandeira.<br />
<br />
A maior velocidade média alcançada foram dois picos de 15,6 km/h em trajetos de 3,7 km, em ciclovia plana. O segundo trajeto mais longo de todos, de 12 km, perfiz a 14,4 km/h, também em ciclovia plana.<br />
<br />
Não houve melhora significativa na velocidade média dos percursos ao longo do tempo (eu fiz um gráfico pra ver). O que houve foi uma melhora significativa na minha condição física ao final dos exercícios. Meus sistemas cardiorrespiratório e o vascular estão funcionando macios, macios, e as pernas não tremem mais.<br />
<br />
Mas não graças aos guidões de latinha de refrigerante :P<br />
<div>
<br /></div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-10190923836561059592015-03-09T12:08:00.001-03:002015-03-09T12:08:08.654-03:00Bike Rio - alerta aos usuários<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-yZfoesrDc3M/VP2y9RqQAeI/AAAAAAAAAVg/UNodK-VkvrE/s1600/WP_20150309_004%5B1%5D.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-yZfoesrDc3M/VP2y9RqQAeI/AAAAAAAAAVg/UNodK-VkvrE/s400/WP_20150309_004%5B1%5D.jpg" /></a></div>
<br />
O ano começou muito diferente para mim. Pela primeira vez na vida eu tenho cartão de crédito e faço transações eletrônicas (eu era um usuário de papel moeda convicto, e ainda não confio totalmente em dinheiro invisível). Isso me permitiu usufruir do serviço Bike Rio, sistema integrado de aluguel de bicicletas disponibilizado em parceria do banco Itaú com a prefeitura do Rio que cobre, de maneira meio desconexa, Zona Sul, Centro e Grande Tijuca (a rede funciona de maneira mais coesa nessa região, embora as ciclovias não cheguem na maior parte da Grande Tijuca), Rocinha (uma única estação cuja utilidade prática eu ainda hei de encontrar), Barra, Recreio, e Madureira (4 estações isoladas dentro do Parque de Madureira). Uso o serviço quase diariamente, e desde 12 de janeiro já percorri quase 250 km pela cidade. Em outra ocasião eu escreverei amenidades sobre isso.<br />
<br />
O motivo de eu estar escrevendo sobre isso hoje é que eu sofri um acidente e acho que vale a pena deixar aqui como alerta aos demais usuários sobre a segurança do equipamento.<br />
<br />
De manhã eu cheguei de ônibus em Vila Isabel, e peguei uma bike na estação 192 da Praça Barão de Drumond. Pretendia ir com ela até a Praça da Bandeira, evitando assim um trânsito e um caminho desnecessariamente convoluto do ônibus que eu pegaria para chegar ao trabalho, e com isso economizaria cerca de 15 minutos de viagem. Quando cheguei ao cruzamento da Av. Manuel de Abreu com a Rua Felipe Camarão, uma espécie de pontezinha que passa sobre o canal que segue pelo meio da avenida, eu me desloquei para fora da avenida e fiquei esperando o sinal da Felipe Camarão fechar para atravessar. Quando fechou, eu me apoiei sobre o guidão para acelerar. De repente, todo o meu peso foi para frente e para baixo, e eu rolei pelo chão no meio da rua. <br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://2.bp.blogspot.com/-R3qEPi1qFdY/VP2wB6VOYMI/AAAAAAAAAVM/YgR6lEdlats/s1600/WP_20150309_001%5B2%5D.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" src="http://2.bp.blogspot.com/-R3qEPi1qFdY/VP2wB6VOYMI/AAAAAAAAAVM/YgR6lEdlats/s320/WP_20150309_001%5B2%5D.jpg" /></a></div>
O guidão havia se partido completa- mente. Estou colocando uma foto aí ao lado para mostrar como ficou. O guidão é um tubo de alumínio oco e bem fino que se rompe sem avisar. Ele não amassa, não racha, simplesmente quebra sob stress, e stress neste caso significa inclinar seu corpo para frente sobre ele. Não foi a primeira vez que isso me aconteceu; outro dia, ao atravessar um sinal na Delfim Moreira, no Leblon, o guidão se rompeu, mas de uma forma em que eu ainda consegui "encaixar" as duas partes e, com o cuidado de uma mãe, levá-la até uma estação próxima. <br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://3.bp.blogspot.com/-d1pupXhJPEo/VP2zlI5AElI/AAAAAAAAAVo/U25JiC2C3zQ/s1600/WP_20150309_003%5B1%5D.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://3.bp.blogspot.com/-d1pupXhJPEo/VP2zlI5AElI/AAAAAAAAAVo/U25JiC2C3zQ/s320/WP_20150309_003%5B1%5D.jpg" /></a></div>
Me levantei, bati umas fotos, e levei a bike até a estação mais próxima dali, a 199 (Praça Niterói). Quando cheguei lá, a ironia: alguém havia sofrido o mesmo tipo de acidente de deixado a bike naquela estação com o guidão partido. A foto aí mostra as duas juntas.<br />
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A minha sorte, em ambos os casos, hoje e quando aconteceu no Leblon, foi ter atravessado com o sinal fechado, e não estar seguindo o fluxo, senão seria atropelamento na certa. E mais, sorte do meu corpo não ter caído sobre o cano partido de alumínio, sobre o qual estava apoiado no momento da quebra, senão eu seria rasgado pelo metal. Apesar do perigo e da pastelança da queda, não tenho nenhum roxinho decente pra contar história. De qualquer forma, registrei o ocorrido ao Bike Rio por telefone, e estou divulgando em todas as minhas redes para ver que providências serão tomadas. Aos usuários, o alerta.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-53368073623637214942014-12-03T14:30:00.000-02:002014-12-03T14:35:38.532-02:00Toda pessoa importaFazer o bem sem olhar a quem. Gentileza gera gentileza (Amorrr). Seja a mudança que você quer ver no mundo. Ama o próximo como a ti mesmo. Todo embrião gerado há pelo menos 4 horas neste planeta já ouviu alguma dessas frases e achou bonitinha. Ou achou que é coisa de hippies, comunistas, ou hippies comunistas. Mas, dentre todos os seres humanos que estão na Terra neste minuto com mais de 4 horas de vida, quantos realmente pararam para pensar no que os profetas, ungidos, louquinhos de rua, e hippies comunistas estavam tentando dizer.<br />
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Por mais individualista que você acredite ser, sua qualidade de vida depende largamente da sua interação com as outras pessoas. Se você é uma pessoa absolutamente reclusa e solitária, que não é assistida por ninguém, que não assiste TV, não ouve rádio, não acessa internet, não pede comida por telefone - nem sai pra comprá-la no mercado, nem por qualquer outro motivo - então, em algum momento, a sua qualidade de vida vai depender, em algum grau, da sua relação com outras pessoas. Viu, até o João Gilberto está sujeito a isso.<br />
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Agora, se você é uma pessoa normal, que sai todo dia pra trabalhar ou estudar, pega trânsito, sobe num ônibus, mostra o crachá na portaria, almoça no quilo, recebe e distribui tarefas, volta pra casa e janta com familiares, e posta abobrinhas no facebook, então essa relação é mais óbvia. Pois veja: mesmo que você seja uma pessoa extremamente satisfeita consigo mesma, se você esbarrar com uma pessoa grosseira na rua, o motorista do ônibus passar do seu ponto, seu chefe te der um esculacho, a comida do restaurante estiver morna, seu(sua) companheir@ estiver de ovo virado, e seus posts no face forem criticados, seu humor não vai resistir por muito tempo. Imagine isso se repetindo todo dia. Sua boa disposição vai lentamente, entre idas e vindas, se transformando em misantropia, você vai "endurecendo", se torna cada vez mais ranzinza. <br />
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Sua crescente insatisfação poderá, possivelmente, levá-lo a apontar para os responsáveis pela sua angústia. Embora a habilidade de apontar o dedo indicador não seja presente desde o nascimento, uma vez aprendida se torna a maneira mais fácil de identificar problemas. A pessoa da rua é uma estúpida, o motorista é um incompetente, seu chefe é arrogante, o restaurante é ruim, seu(sua) companheir@ não entende você, e as pessoas no face são manipuladas. Resolvido.<br />
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Só que não. <br />
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Este é o mundo visto em primeira pessoa. Se você se encaixa nesse padrão de comportamento, então você é tão egoísta que acha que o mundo inteiro se importa tanto em azucrinar você que ele tem um plano sistemático para isso, que envolve pessoas que você nem conhece. Como essa ilusão é algo que pode ser resolvido com remédios, vamos pensar fora da caixinha. Ou, como eu gosto de dizer, vamos calçar os sapatos de outra pessoa.<br />
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Vamos pegar o motorista. Ele não é um homo ex machina cuja única função é dirigir um ônibus. Ele acorda cedo e com fome, sai para trabalhar, cumpre seu horário, volta para casa. Ele, como você, no percurso do dia, estabelece relações com outras pessoas. Será que elas o tratam com gentileza? Será que ele mora num lugar em que ele é respeitado, será que o padeiro lhe dá bom dia? Será que o patrão não está exigindo dele mais do que as suas ferramentas de trabalho lhe permitem (como é comum das empresas de ônibus cobrarem tempos de percurso dos motoristas que só são possíveis em condições perfeitas de trânsito)? Será que ele tem que aturar grosserias de passageiros e de outros motoristas? E ao voltar para casa, será que a sua família dá valor ao seu trabalho? <br />
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O padeiro que não deu bom dia ao motorista, será que ele dormiu bem? Ele mora num local seguro? Alguém pediu fiado e não pagou, ou alguém assaltou a padaria enquanto estava fechada? Seus parentes estão bem de saúde?<br />
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Eu creio que já me fiz entender e não vou seguir a vida de cada ser humano para mostrar como as interrelações determinam comportamentos e e o estado emocional das pessoas, e é essa a matriz emocional que determina o quão bem nos sentimos com as nossas próprias vidas e nos motivam a fazer determinadas escolhas. Isso vale para mim, para você, para o brucutu da rua, para o motorista do ônibus, o segurança do trabalho, o seu chefe, seus colegas, seu(sua) espos@, pais e filhos. Assim como o emocional afeta o seu rendimento no trabalho, sua disposição para lidar com as pessoas, e as escolhas que você faz com a sua vida, o mesmo ocorre rigorosamente com todas as outras pessoas. <br />
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Finalmente cheguei onde eu queria: a importância de cultivar positivamente cada relação. Mesmo a mais banal. Mesmo com quem você nem precisaria se importar. Por exemplo, e isso é assustadoramente comum onde eu passei a minha juventude, pessoas que podem se dar ao luxo de pagar a terceiros por serviços que são necessários mas elas não tem tempo nem disposição, ou simplesmente acham indigno fazê-los. Não raro, ao estabelecer uma relação de trabalho com o prestador, a pessoa cria uma barreira emocional, e o prestador vira um homo ex machina. Por exemplo, um técnico que foi chamado para consertar a máquina de lavar: uma pessoa pode escolher recebê-lo com cortesia ou exigir que ele faça logo o serviço e saia o mais rápido possível. Se o sujeito for profissional, ele fará o serviço pelo qual foi pago indiferentemente. <br />
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Por meio da imobiliária da qual eu alugava minha casa eu conheci um pedreiro, o Vadinho. Sujeito muito competente, bem disposto, inteligente, caprichoso, virulentamente honesto. Por meiod a imobiliária, ele veio ao socorro em casos de urgência. Estabelecemos um relacionamento mutuamente generoso, a ponto dele vir me socorrer outras vezes, mesmo que eu não pudesse pagá-lo pelo serviço, e em contrapartida eu oferecia sobressalentes, como botijão vazio, um vaso sanitário melhor do que os que eu tinha instalado, qualquer coisa que eu tivesse e ele precisasse, e ele se colocou à minha disposição, mesmo morando agora do outro lado da cidade. Por outro lado, a imobiliária o tratou como um empregado, não valorizou sua experiência e não quis atender às suas orientações sobre outras obras nos seus imóveis. Entre eles, a menor falha na questão financeira fez com que ele recusasse serviço deles, e eles perdessem um ótimo pedreiro. Mas em algum momento ele pode ser necessário novamente, e talvez ele escolha não atender a esse novo chamado. Minha esposa me repreendeu por ter sido cortêz com o corretor da mesma imobiliária, apesar dele ter nos faltado com várias coisas ao longo dos anos. Mas se eu precisar alugar novamente naquela região, talvez eu precise recorrer a ele novamente, e achei por bem manter aquela porta aberta. Da mesma forma evito de cortar relações com as pessoas mais diferentes de mim, porque em algum momento eu precisarei de algum conselho, alguma recomendação, alguma informação, ou algum serviço que eles, dependendo da sua boa vontade comigo, poderão ou não atender. Por isso procuro ser gentil até com os crackudos da minha rua.<br />
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As relações interpessoais influenciam a qualidade de vida. E a qualidade de vida de cada um influencia o seu estado de espírito, seu humor, e, consequentemente, sua boa disposição para se relacionar com outras pessoas. A minha qualidade de vida depende da qualidade de vida das pessoas com quem eu preciso lidar diariamente. Não é obrigação minha ou de qualquer outra pessoa se preocupar com a qualidade de vida de outrem. É uma escolha, e como toda escolha feita conscientemente, é, isso sim, obrigação nossa aceitar as consequências dela. Você pode muito bem ser rude com o garçom do restaurante. Mas pense que ele vai lhe servir novamente depois.<br />
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Por isso é sensato fazê-lo. E por isso eu me sinto compelido a buscar fisicamente, intelectualmente ou ideologicamente maneiras de melhorar a vida das outras pessoas. Eu já disse anteriormente que sou um misantropo - na ocasião, um misantropo que se arriscava em causas sociais - e não tenho qualquer aspiração de obter reconhecimento. Faço o que faço e ajo como ajo egoisticamente, porque preciso das outras pessoas para fazerem coisas por mim que eu não posso ou não quero, enquanto ofereço a elas o que eu sei e o que sou capaz de fazer. É assim que a vida em sociedade funciona. E preciso que elas estejam de bem com a vida. Preciso entrar num ônibus cheio e encontrar as pessoas de bom humor, e não hostis a ponto de atacarem-se umas às outras porque aquilo é a gota d'água para elas. Preciso que elas estejam dispostas a colaborar umas com as outras e estabelecer relações construtivas, e não agredirem-se ao menor descontentamento. Quem enxerga isso e opta pela solidariedade enfrentará os revezes mais crueis: alguns tentarão se aproveitar de você, tentarão intimidar você, tentarão pará-lo a todo custo.<br />
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Mas vale a pena. Porque toda pessoa importa.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-69204251778999114432014-11-04T18:39:00.001-02:002014-11-04T18:39:58.559-02:00No caminho da não violência encontrei uma pizzaTenho pensado nas últimas semanas que a compaixão é uma das vigas de sustentação da não violência. E que a compaixão, para ela ser totalmente incorporada, natural e espontânea, ela precisa se estender a esferas cada vez mais abrangentes: aos familiares, aos amigos, aos conhecidos, às pessoas com quem você simpatiza, às pessoas com quem você tem algum tipo de empatia ou compartilha passivamente seu espaço, as pessoas com quem você não simpatiza, seus adversários, e aquelas que querem lhe fazer mal, inconsciente ou conscientemente. Fora dessas esferas, há ainda que se considerar os animais, dos que temos como estimação, dos que nos alimentamos, dos que nos são indiferentes, dos que nutrimos antipatia ou asco, e dos que nos são nocivos. <br />
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Por conta disso, há anos eu tenho praticado conscientemente o perdão para todas as afrontas, e controlado a violência em pensamento todas as vezes que eu testemunho uma injustiça. Tenho falhado miseravelmente todos os dias, mas cada vez menos. Isso é em relação às pessoas. Mas também, há várias semanas eu deixei de matar insetos domésticos, como formigas, moscas e baratas, e até pernilongos e borrachudos, mesmo que estivessem me picando. É algo que eu também estou exercitando conscientemente até que se torne natural.<br />
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Eu cheguei a considerar que, nessa jornada pela não violência, eu acabaria desembocando numa mudança de hábitos alimentares, quando a compaixão pelos animais tornasse moralmente impossível a ingestão de carne e outros subprodutos obtidos da morte destes ou do seu não consentimento (como laticínios e ovos).<br />
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Só que aí eu estaria partindo do princípio de que as plantas - a outra fonte de alimentação de que dispomos - não sentem ou não tem alma, ou coisa que valha. Isso é altamente discutível. Plantas não sentem dor por não terem sistema nervoso, mas mesmo sem sistema nervoso elas processam estímulos do ambiente e acionam mecanismos internos para reagir positivamente a eles (e não caoticamente, como se esperaria de um organismo desprovido de consciência física), incluindo reagir à predação, como qualquer animal, inclusive os que não processam a dor no seu cérebro. Sem falar da ingestão de brotos e sementes, que são embriões de plantas que nunca tiveram uma chance. Além disso, o que fazer com as frutas, cujas sementes dependem de alguém que as coma para se dispersarem e seguirem com o seu propósito? Isso tudo me colocaria numa sinuca, porque estendendo a compaixão aos vegetais - coisa que, isso sim, já está totalmente incorporado em mim! - eu, mantendo meus critérios, deixaria de comê-los. O que, no fim, seria uma má ideia.<br />
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Creio que a moderação, uma alimentação mais natural possível (que escape à carne processada e aos animais torturados com hormônios), que inclua somente o que o corpo precisa, sem excessos e extravagâncias, pode ser um objetivo alcançável. Eu já tenho um "pacto" com as árvores frutíferas, de recolher delas somente o que eu vou comer, e deixar para trás o resto para que sirvam de alimento a outros animais. É algo muito difícil (e MUITO CARO) de se fazer numa cidade como o Rio de Janeiro, mas é uma meta possível.<br />
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Gostaria de ouvir sugestões e experiências de quem optou pelo vegetarianismo, de quem tentou mas voltou atrás, e de quem optou por seguir o caminho da não violência, mas não sentiu a necessidade de mexer na alimentação mais do que a saúde exige.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-48882844116095704782014-08-25T10:42:00.004-03:002014-08-25T10:42:56.362-03:00Breves impressões sobre DaliA arte é uma forma de expressão que funciona de maneira diferente sob dois aspectos: do ponto de vista do artista, seus sentimentos, sua mensagem, sua ideologia, sua técnica; do ponto de vista do observador, a maneira como aquela expressão é absorvida pelos seus sentidos, e a maneira como essa visão transformada o atinge. Creio que quanto menos estudo, quanto mais cru é o observador, mais autêntico é o impacto de uma obra sobre ele. Seria o meu caso.<br />
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Ontem visitei a exposição de Salvador Dali, no CCBB. Embora eu conheça a excentricidade do artista - quem não conhece? - e consiga identificar suas pinturas mais famosas e um estilo, sei pouco do que ele realmente pretendia expressar nelas. Mergulhei no seu universo com algo a que me apegar como "familiar" no meio de tanta estranheza. Formas humanas torturadas desconstruídas e solitárias em vastos cenários etéreos, com sombras, fantasmas, rochas e carne. Um mundo maior, mais rápido, que não tinha mais espaço para o clássico, para a forma, para o indivíduo, como devia parecer ao homem observando o desenrolar da primeira metade do século XX.<br />
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Minha impressão? Em cada quadro, eu recebi uma mensagem positiva: o homem oprimido pelos seus terrores pessoais expulsando seus demônios, libertando-se, ascendendo espiritualmente, negando-se a ser arrastado para a espiral de autodestruição niilista do mundo moderno. O homem que suprime seu ego, deixa de ser rocha e passa a ser diáfano. O homem que deixa seu terno e sua obrigação de trabalhar para alguém e fazer o que se espera dele para colecionar telefones verdes e vestir-se com fios de cobre. Ele salva Dom Quixote transformando-o também em matéria de sonho, unindo-o finalmente à sua Dulcinéia.<br />
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Extremamente inspirador.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-44016648071816249102014-05-30T23:29:00.002-03:002014-05-30T23:29:19.361-03:00Sugestões de viagem: Penedo, RJAos amigos que me leem, e aos que eventualmente encontrarão este post via google, vão aí as minhas impressões e sugestões de Penedo, um dos lugares mais charmosos entre Rio de Janeiro e São Paulo.<br />
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<b>Onde fica e como se chega lá?</b><br />
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Penedo é um distrito do município de Itatiaia, a meio caminho entre Rio e São Paulo. Fica a 15 minutos do posto Graal de Resende, pode ser acessado na altura do km 311 da Via Dutra. Trata-se de um vale aos pés da imponente Serra da Mantiqueira. Em meados do século XX, finlandeses chegaram à região e trouxeram língua, hábitos e cultura. A alta temporada é o inverno, quando a proximidade com a serra derruba a temperatura. Na verdade, em qualquer época, a alta temporada mesmo é toda semana, de quinta a domingo, quando todo o comércio funciona, principalmente nos fins de semana. De segunda a quinta é difícil achar algo além de restaurantes abertos e algumas lojas, mesmo assim nem todos.<br />
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Para quem vai de ônibus, a partir do Rio a viação Cidade do Aço tem ônibus diários em três horários, que fazem ponto final em frente à padaria Penepão, próximo ao centro. Quem vem de São Paulo precisa ir até Resende, onde pode optar por um ônibus intermunicipal que sai do próprio Graal para Penedo em intervalos de cerca de 30 minutos (custa R$3,05), ou tentar um taxi, já que nem é tão longe (15 minutos até o centro de Penedo).<br />
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<b>Principais atrativos:</b><br />
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-A Casa do Papai Noel - os finlandeses exploram a mítica do seu conterrâneo famoso e criaram uma mini-cidade finlandesa - a Pequena Finlândia - com lojas, restaurantes e atividades, como um autorama gigante, em volta da Casa do Papai Noel propriamente dita, onde o velhinho recebe visitantes. Papai Noel, aliás, é onipresente na cidade.<br />
-Fábricas de chocolate - não sei qual a relação entre a Finlândia e o chocolate, mas existem várias fábricas de chocolate caseiro e guloseimas baseadas em cacau.<br />
-Night - quase todos os restaurantes abre à noite. Finlandês, português, mexicano, japonês, italiano, mineiro, caipira, churrascarias, fondues, peixes, vinhos, pizzarias, sorveterias, cafeterias, charutarias, com música e apresentações culturais; alguns fabricam suas próprias cervejas (ou comercializam cervejas locais). A night é badalada, atrai pessoas de Resende, e alguns hoteis na Serra de Itatiaia incluem a noite penedense na sua programação.<br />
-Hotelaria - há opções de todo tipo de hospedagem em Penedo, pensões, pousadas, apart-hotéis e grandes hotéis com seus próprios centros de convenções. Consulte a localização do hotel e a sua conveniência - hotéis luxuosos serra acima podem não ser muito práticos para quem não estiver motorizado, já que quase todas as atrações estão no centro.<br />
-Passeios - a cidade oferece passeios de carruagem, cavalo, quadriciclo, que exploram as estradas e trilhas que cortam as matas e chegam às cachoeiras. Uma caminhada "mainstream" é a do Pico do Penedinho, a 600 m de altura. Para se chegar à trilha é preciso pedir uma autorização na Casa do Chocolate, onde se pode obter todas as informações. Para crianças, idosos, sedentários e urbanos, um trenzinho faz um passeio de 1 hora pela cidade saindo da fábrica de chocolate próximo à cidade do Papai Noel. Esse passeio custa R$10,00<br />
-Produtos típicos - além dos chocolates caseiros e cervejas, os doces, compotas, conservas, geleias e licores estão por toda a parte. Artigos de couro, retalhos, mantas e artesanatos diversos são lembranças favoritas da cidade.<br />
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<b>O que eu vi:</b><br />
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Visitei Penedo entre terça e sexta-feira. É o período menos movimentado da cidade, então boa parte do comércio ficou fechado. Os restaurantes abrem para o almoço, mas deixam de oferecer o self-service depois das 14:00 - caso você seja da cidade grande onde vc encontra qualquer coisa a qualquer hora, isso pode te pegar desprevenido no primeiro dia. Mas à noite quase todos os estabelecimentos estão abertos, então o jantar é garantido. Em compensação, eu conheci o ritmo normal de Penedo, sem turistas barulhentos constrangendo os locais com uma atitude ruim (peguei isso na sexta de manhã...). Mas algumas atrações, como o Museu Finlandês, ficaram fechadas.<br />
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Fiquei hospedado no <a href="http://www.hotelcasaencantada.com.br/" target="blank">Hotel Casa Encantada</a>. É um hotel pequeno na Av. Finlândia (um nome muito pomposo para uma estrada estreita e com calçamento ruim que começa e termina na Av. das Mangueiras, essa sim uma avenida), porém adequadamente equipado com piscina, piscina quente, sauna finlandesa, salas de convivência, restaurante, estacionamento próprio, TV a cabo, frigobar, lavanderia. Eles também estão preparados para eventos corporativos e congressos, e se colocam à disposição para, por exemplo, marcar o seu cabeleireiro. Os funcionários são atenciosos e gentis. Não se engane, a localização é excelente: está há cerca de 10 minutos de caminhada do ponto final do ônibus da Cidade do Aço, e a 50 metros de um ponto de ônibus na Av. das Mangueiras, próximo de todos os lugares bons do centro. Na esquina, inclusive, há um ponto de aluguel de quadriciclos, e na outra ponta da Av. Finlândia (curtinha, meça no google mapas), outro local para arranjar passeios a cavalo. O hotel fica à beira do Rio das Pedras. Ouve-se o barulho constante da água fluindo pelas pedras.<br />
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O ônibus que vai do Rio para Penedo para em frente à padaria Penepão. Se você pegou um ônibus das 11:05, deverá chegar ali ainda a tempo para o almoço. O Penepão oferece almoço, mas, ali ao lado, tem o Recanto do Achego, que serve o quilo mais em conta de Penedo, com comida simples tipo caseira, mais um churrasco bem feito. Aconselho muito bater um prato ali antes de ir ao hotel - o tempo de deslocamento, fazer o checkin, se acomodar, até finalmente sair para almoçar, pode te deixar na mão, porque o horário de almoço já terá terminado, e só alguns restaurantes continuarão aberto, mas nenhum self-service.<br />
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Outro lugar prático e barato de se comer, que abre a partir do final da tarde, é o Penedo Burgers, um trailler estacionado em frente à Pousada do Lago, que deve ser o único fast food que eu vi em Penedo. Boa variedade de sanduíches, bem servidos - cheese bacon? Tem o cheese, e tem o bacon. Aos sábados e domingos eles ficam abertos até as 5:00, sendo opção para quem sai da balada no Clave de Sol, a principal (talvez, a única?) boate, que eu não peguei aberta. A lanchonete, de quebra, está na rota de entrada de Penedo, então se vc chegar de carro lá pelas 17:00, pode parar ali para fazer um lanche antes de ir para seu hotel.<br />
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Sem buscar orientação local - uma característica minha quando vou a qualquer lugar :P - eu atirei e errei tentando acertar um bom fondue à noite. Fui a um restaurante chamado Aglio e Oglio, na Rua das Velas, onde eu sabia que servia fondue. Mas, já acomodado e com o cardápio na mão, fui informado que o rodízio de fondue - com pães, carnes e tudo mais - só é servido aos finais de semana. Mas eu havia lido uma recomendação na internet de um certo Filet Escandinavo, então apostei nele para não perder a viagem, pedi o prato para dois, pois assim o preço ($72,00, se não me engano) me pareceu razoável. A minha conclusão é de que Deus existe, e foi Ele quem criou este prato: a porção inclui um arroz com ervas e queijo, um tomate recheado com catupiry e gratinado, e dois bifes grelhados enormes de grossos completamente cobertos por fatias finas de alho e cogumelos. Talvez os melhores bifes que eu já provei, e falo isso com a propriedade de um carnívoro de 35 anos que se orgulha do próprio bife a ponto de se recusar a comê-lo na rua, e que já experimentou várias versões dos bifes das redes locais, como Outbacks e Stadiums da vida, e que a família desenvolveu suas próprias receitas indefectíveis de carne. Então engulam essa. E peçam mais.<br />
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Não fiz trilhas nem passeios a cavalo - até porque eles saem geralmente de quinta a domingo - mas circulei pela maior parte da cidade a pé. A Pequena Finlândia ficou quase toda fechada até sexta de manhã - com exceção da fábrica de chocolate local. A própria Casa do Papai Noel estava fechada, com um aviso na porta alegando problemas de saúde do bom velhinho (é sério, até gravei um vídeo explicando isso). Caminhei pela Av. Penedo, que sobe de maneira que se tem de lá uma bela visão do vale de Penedo, e além - o mar de morros ao sul, e a imponente Serra de Itatiaia ao norte. Nela também se encontra o Hotel do Papai Noel, o hotel mais famoso e mais imponente da região - uma grande construção em vermelho, que pode ser avistada de grande parte da cidade, principalmente à noite, quando fica toda iluminada.<br />
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Três lojas merecem menção especial:<br />
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Na From Penedo (num centro comercial na Av. das Mangueiras cujo site não encontrei, e é homônimo da empresa que oferece passeios turísticos a cavalo... e talvez seja a mesma) se vendem compotas e conservas, mas duas especialidades da loja viraram presentes para família e amigos: licores de fabricação própria de sabores tão variados como milho, avelãs, maracujá, e vários tipos de chocolate; e pastas de peixe. É, que estranho, eu pensei... mas a pasta de truta defumada me deixou de joelhos. Parece uma pasta de maionese, um patê, mas é feito com fécula de mandioca - sem maionese! - extremamente saborosa. Outras pastas - salmão defumado, e outros sabores sem peixes baseados em ervas e especiarias - são excelentes também. Esse tipo de pasta deve ser algo que os finlandeses inventaram, porque estavam à venda por toda a parte. Também comprei um provolone temperado, dentre os vários queijos disponíveis. O melhor? A proprietária oferece amostras de tudo que vc pedir. Inclusive dos licores.<br />
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Na <a href="http://www.tripadvisor.com.br/ShowUserReviews-g2427181-d2424453-r167041045-A_Casa_do_Chocolate-Penedo_Itatiaia_State_of_Rio_de_Janeiro.html" target="blank">Fábrica de Chocolate Joulupukin Suklaa</a>, ao lado da Pequena Finlândia, e de onde sai o passeio de trenzinho, você compra chocolates por peso, ou por peça, e a média é R$9,00 por kg. O chocolate é feito na hora. E que chocolate! Ao leite, branco, meio amargo, com sabores, em diferentes formatos, trufas, todos espetaculares. Não avalie o preço com base no que vc encontra da Lacta nas Lojas Americanas, os chocolates daquela loja são melhores a ponto de te fazer crer que eles merecem mais o seu dinheiro do que você. Na quinta à noite tomei um chocolate quente cremoso ali que matou minha vontade.<br />
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Por último, numa loja no térreo do centro comercial bem ao lado do Aglio e Oglio, encontrei uma loja chamada <a href="https://www.facebook.com/balasvialactea" target="blank">Via Láctea</a>. Uma loja de balas e doces, especializada em importados e retrô - você vai encontrar caixas das balas de Candy Crush fabricadas no México, e um baleiro old style cheio de toffees e balas Juquinha; chocolates importados e jujubas por quilo. É uma loja para crianças, aproveitando o apelo da cidade para as crianças, com toda essa história de Papai Noel e chocolates, mas com esse toque retrô que apela para os pais. A loja é decorada com brinquedos - do marido da dona, que até faz pendrives com Hot Wheels. Sabe o que é Pez? Se acha especial por conservar um seu da sua infância? Eles vendem toda a linha dos Simpsons, das princesas da Disney, do Angry Birds, do Toy Story.<br />
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A fábrica de chocolate mais famosa é a Casa do Chocolate, ainda perto da entrada da cidade. Mas cuidado: eles só aceitavam pagamento em cheque ou em dinheiro. Penedo não tem banco (que eu tenha visto) e o caixa eletrônico do Banco do Brasil não estava funcionando (havia um caixa 24 horas num mercado morro acima, bem longe dali), de maneira que fiquei de calça da mão quando fui tomar um sorvete (bom) no finzinho da viagem, quase na hora de embarcar e com toda a grana torrada, e minha esposa teve que usar o débito dela na caixa do Recanto do Achego para "sacar" dinheiro, já que também não dava para devolver o sorvete :P<br />
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De maneira geral, em todos os lugares onde eu fui, as pessoas me trataram com grande gentileza e atenção, não só no hotel, mas nas lojas e restaurantes, até na prosa no ponto de ônibus. Até por isso me doeu, já no final da estadia, ver turistas estabelecendo aquela conhecida relação patrão-empregado, como eu não pude evitar de dizer um pouco mais acima. Preciso voltar lá para ver e experimentar tudo o mais que Penedo tem a oferecer. Curti.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-10956438505184923142014-04-30T11:44:00.000-03:002014-04-30T11:44:54.939-03:00PerdãoHoje de manhã, no seu perfil do Facebook, o Dalai Lama (ou quem administra isso pra ele) postou um link para o <a href="http://forgivenesschallenge.com/" target="blank">Tutu World Forgiveness Challenge</a>, iniciativa do arcebispo Desmond Tutu onde ele propõe um mês de exercício do perdão como forma de crescimento e cura pessoal e social. Eu poderia ter ignorado, ou resmungado sobre como isso é hipócrita (e poderia ainda apontar o dedo para o livro que ele está vendendo no site), improdutivo ou inútil, ou como isso não me diz respeito.<br />
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Mas só a menção dessa iniciativa de espalhar o perdão como forma de tornar nossas vidas melhores me fez retornar a 9 anos atrás, quando experiências e reflexões sobre o sentido do perdão me fizeram publicar um texto sobre isso no meu antigo blog, precisamente no dia 22 de agosto de 2005. O blog, como todo o provedor, foi desativado em 2007, mas por muita sorte eu cheguei a copiar e enviar esse texto para uma antiga colega de trabalho naquele mesmo ano, e esse e-mail continua armazenado na minha pasta de enviados do gmail. Transcrevo-o aqui:<br />
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"Perdoar não é passar uma borracha sobre os erros do outro, sorrir e dizer que está tudo bem. Não é fingir que nada aconteceu e retomar a vida como era antes. Não é voltar para quem vacilou contigo como se nada tivesse acontecido. <br />
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O perdão é antes de tudo uma coisa que deve ser feita pra vc mesmo. Pq quando não há perdão, há mágoa, há azedume, há feridas abertas no coração que não se fecharão. Quando não há perdão, a raiva pelo erro do parceiro toma conta da sua vida, e vc precisa se esforçar horrores pra superar isso, e quase nunca consegue por completo. Perdoar é cicatrizar estas feridas. É dizer 'ok, mas não posso continuar assim, vamos ser felizes sem nos machucar, cada um ao seu modo, cada um na sua estrada'. Perdoar é trazer paz ao seu coração e permitir que ele esteja pronto para os próximos desafios sem que as mágoas do passado o tornem pesado e quebradiço. <br />
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Perdoar não é apagar os erros do passado para começar tudo de novo. É fechar as cicatrizes do seu coração e abrir caminho para vc continuar a sua própria vida em paz. É um ato de amor, pois vc tira o peso que o arrependimento traz sobre quem errou, pessoa esta que um dia lhe fez feliz... e é um ato de amor próprio, pq tb alivia o peso de uma grande decepção que não precisa estar sobre vc a menos que vc queira."<br />
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Ainda em 2005, uma mulher desconhecida me mandou um e-mail perguntando se ela poderia repostar este texto específico. Essa mulher se tornaria a minha esposa :^)Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-59338580491552359462014-04-09T14:18:00.002-03:002014-04-09T14:18:32.359-03:00Vindo para a "Cidade Grande" (sem sair da cidade)A vida na civilização...<br />
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Eu nasci em Ipanema, na rabeira da rua Alberto de Campos, entrada do Morro do Cantagalo, e morei lá até os 5 anos e meio. Como eu só podia andar sozinho até a banca de jornal da esquina (meu primeiro "emprego"!), esse período não conta. <br />
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De lá, fomos para a Barra da Tijuca, num tempo em que se olhava ao longe e só se via dunas de areia branca, e o mar ao longe. Era, na época, a parte mais afastada da Barra; os shoppings, restaurantes, postos de gasolina, supermercados e centros comerciais que começavam a pipocar, estavam todos distantes demais para se ir a pé (o que, aliás, é o meio de transporte menos prático para a Barra, quem já se viu tendo que andar para ir de um lugar a outro por lá sabe bem disso). A padaria mais próxima (onde tb funcionava a locadora de filmes e games mais próxima) ficava a 15 minutos de casa. Em suma, só quando tinha um carro e alguém disposto a dirigí-lo era possível fazer as coisas do dia a dia - e já que estávamos de carro, não necessariamente essas tarefas eram realizadas na Barra.<br />
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Há 9 anos mudamos para a Ilha de Guaratiba, bairro relativamente isolado e desconhecido do resto da cidade, na zona rural do município. Sim, zona rural, na verdade, repartido entre o Parque Estadual da Pedra Branca e a Reserva Ambiental Rural de Guaratiba, com fazendas de gado, plantações de frutas, legumes, e plantas ornamentais, haras, sítios para festas, etc. Deve ser a utopia de qualquer neoliberal, porque ali o Estado é algo quase totalmente ausente - a urbanização se restringe a uma linha de postes de luz ao longo de uma estrada pavimentada há décadas, e os pontos de ônibus que continuam de pé foram erguidos no governo Chagas Freitas, quando governador do Estado da Guanabara! No início eu morava com meus pais numa casa grande e confortável, mas na área mais carente do bairro, onde vc olha para um lado da estrada, olha para o outro, e não vê sinal de atividade humana. Depois eu me mudei para outra casa menor, mais perto do "centro" do bairro, onde o "hot spot" era um mercado que vendia coisas de marcas bizarras que pareciam terem sido jogadas fora por outro mercado e vendidas a preço de Pão de Açúcar, basicamente pq era o único mercado dali. Quando me mudei, a Ilha contava com duas linhas de ônibus, mas a principal delas, que ligava o bairro à Barra - e permitia, com uma baldeação, chegar à Zona Sul e ao Centro, onde estão os empregos na cidade - deixou de circular quando foi inaugurado o BRT Transoeste. Hoje, o morador da Ilha que não tiver a sorte de morar perto de uma estação e/ou não puder se deslocar a pé, é obrigado a pegar o último ônibus que ainda resta só para sair do bairro e se virar para chegar a qualquer outro lugar. O meu itinerário de casa para o trabalho exigia 3 ônibus. Sendo o bairro carente de serviços - comprar um jornal exigia quase 40 minutos de caminhada - era muito difícil fazer qualquer coisa perto de casa, e muito difícil, por conta do transporte e do cansaço acumulado durante a semana pelas enormes distâncias percorridas, fazer qualquer coisa longe dela. Uma vida bastante reclusa. Sobreviver num lugar como a Ilha, onde não há emprego, serviços, onde até quem trabalha especificamente com entregas em domicílio não sabe se localizar, e onde qualquer coisa precisa ser feita a pelo menos dois ônibus de distância exige altos malabarismos e adaptações específicas, que, quando dominadas, induzem as pessoas da região a quererem permanecer ali e manter aquele estilo de vida precário, mas com o qual elas sabem lidar.<br />
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Enfim, findo o contrato de aluguel na Ilha, encontrei um apartamento no bairro de Lins de Vasconcelos, no Grande Méier, Zona Norte da cidade. É possível que quem não seja do Rio tenha ouvido esse nome, ou sobre as favelas do entorno, que a secretaria de segurança convencionou de chamar de "Complexo do Lins" em sua até agora fracassada tentativa de "pacificar" as comunidades. Eu não vou me deter muito a descrever o bairro nem o estilo de vida, mas para se ter uma ideia do quão roceiro eu me tornei morando em Guaratiba, vejam só as diferenças que eu tenho notado no estilo de vida e tem me deixado maravilhado (a despeito de problemas estruturais no meu prédio, que têm me aborrecido). Talvez algumas dessas coisas pareçam naturais a outras pessoas habituadas à vida urbana, mas talvez reparar nelas os faça valorizá-las um pouco mais:<br />
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- É possível ir a qualquer lugar da cidade (inclusive para a Ilha de Guaratiba) usando transporte público em menos de duas horas;<br />
- Mesmo em se tratando de um bairro essencialmente residencial, apenas com pequenos comércios, é possível ir de lá até o grande centro comercial da região (a rua Dias da Cruz, no Méier) em 10 minutos a pé;<br />
- É possível fazer compras num mercado limpo que não lhe venda legumes podres por preços malucos;<br />
- É possível escolher esse mercado;<br />
- É possível escolher entre ir a esses mercados ou a quaisquer lojas que vc queira que vendam os mesmos produtos - Casa & Video, Americanas, Casa do Biscoito, Mega Lar, etc.;<br />
- É possível ir a um médico ou a um laboratório fazer exames sem precisar pegar duas conduções. Ou qualquer uma;<br />
- A pé ainda é possível ir a uma loja da Light e outra da CEG;<br />
- Existe gás encanado;<br />
- Existe água encanada;<br />
- A luz não acaba toda semana, nem nos dias mais quentes, nem nos mais chuvosos;<br />
- As empresas que fazem entregas sabem localizar o meu endereço;<br />
- Os taxistas sabem localizar o meu endereço;<br />
- O carteiro sabe localizar o meu endereço;<br />
- As pessoas que moram na minha rua sabem localizar o meu endereço;<br />
- A viagem para o trabalho exige apenas dois ônibus, e dura cerca de 1:30, cerca de metade do que eu gastava antes em cada viagem...;<br />
- ... e existe mais de uma rota possível e viável de casa para o trabalho;<br />
- Tem mais de uma linha de ônibus passando pelo bairro, e eles passam em intervalos de, no máximo, 10 minutos um do outro;<br />
- Existem lanchonetes pequenas, lanchonetes de grandes franquias, e restaurantes, e esses restaurantes não colocam preços para turistas estrangeiros no cardápio;<br />
- Vc pode pedir pizza por telefone, e essa pizza chega em meia hora no máximo;<br />
- Na esquina tem um hortifruti, uma padaria, uma farmácia, e uma viatura da PM;<br />
- Todas as ruas são asfaltadas e possuem calçadas;<br />
- Existem faculdades, cursos, e locais com atividades culturais, até de graça;<br />
- Repito, calçadas!<br />
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Minha única reclamação é que as pessoas não dizem bom dia, obrigado, desculpe, boa noite e por favor. Exceto as meninas que trabalham na Rainha do Méier (uma padaria) e as duas bichinhas crackudas que passam as noites num beco perto de casa.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2970525053159765712.post-87992469049669697672014-03-26T19:42:00.003-03:002014-03-26T19:42:38.269-03:00Purple Day - o dia internacional de consciência da epilepsiaHoje foi um dia aborrecido. Eu me mudei (matéria para futuro post, "como é viver onde as outras pessoas normais vivem"), vim para a civilização, mas aparentemente o apartamento tem alguns problemas estruturais que eu tenho que resolver, e isso me toma tempo, e me obriga a escolher entre resolvê-los e trabalhar. Por isso, não resolvê-los é muito frustrante.<br />
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Aí me deparei com um post de um contato meu do Faceburguer nos EUA, divulgando o <a href="http://www.purpleday.org/" target="blank">Purple Day</a>, celebrado todo dia 26 de março para difundir o conhecimento sobre a epilepsia. Como eu nunca usei meu blog - nem o presente, nem os passados - para falar sobre isso, achei que seria adequado, e uma forma de fazer a minha parte neste dia, falar sobre epilepsia.<br />
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<b>-Epilepsia-</b><br />
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Epilepsia é o nome para um amplo espectro de doenças, que se caracterizam por convulsões frequentes. Uma convulsão isolada não caracteriza epilepsia - um trauma na cabeça pode desencadear uma convulsão. As próprias convulsões, dependendo da parte afetada do cérebro, podem se apresentar de maneiras distintas de acordo com a síndrome apresentada por cada paciente, mas são geralmente movimentos involuntários de uma parte ou todo o corpo, podendo haver perda de consciência, mas pode se manifestar como ausências (episódios em que o paciente parece "desligar" por alguns segundos e deixa de responder a estímulos) ou distúrbios sensoriais (na forma de alucinações visuais, auditivas ou olfativas). A epilepsia e as doenças associadas não são contagiosas, então o paciente não precisa ser isolado durante o tratamento. Tampouco a epilepsia é sinal de loucura, intervenção divina ou demoníaca (motivo pelo qual epilépticos tiveram vida dura até fins do século XX). São doenças que tem tratamento se diagnosticadas corretamente por um neurologista.<br />
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<b>-Meu caso-</b><br />
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Eu sou epiléptico. Comecei a ter convulsões localizadas na face seguidas de paralisia facial e lingual depois dos 5 anos de idade. A causa era uma inflamação no lado esquerdo do cérebro de origem genética, possivelmente caracterizando a Epilepsia Rolândica, ou Epilepsia Benigna com Pontas Centro-Temporais, pois é como ela se apresenta nos encefalogramas. <br />
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O meu tipo de epilepsia é o mais comum, e atinge crianças entre 5 e 15 anos, um pouco mais, um pouco menos. Depois de um tempo, ela deixa de se manifestar naturalmente. Mas como ela está impressa no código genético, pode ser transmitida para a geração seguinte. Os casos são muito numerosos e os sintomas variam bastante. No meu caso, incluía, nessa ordem:<br />
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-Alterações sensoriais, como zumbido no ouvido e desorientação;<br />
-Perda de controle dos músculos faciais e da fala;<br />
-Forte contração dos músculos faciais (a boca abria como num longo bocejo, mas com espasmos locais);<br />
-Hipersalivação;<br />
-Dificuldade de controle da respiração;<br />
-Perda do controle motor mais fino nas mãos;<br />
-A crise durava talvez cerca de um minuto. Durante a recuperação, os sentidos voltam ao normal rapidamente. É possível andar e gesticular normalmente imediatamente;<br />
-A recuperação dos movimentos da face, da língua, e a capacidade de articular a fala demorava alguns minutos, talvez meia hora;<br />
-As crises aconteciam geralmente à tarde ou à noite (como eu estudava de manhã, apenas uma ou duas vezes tive crises na escola);<br />
-Eu ficava consciente durante todo o processo. É provável que acontecesse durante o sono. É impossível dizer, porque se acontecesse no meio da noite eu acordaria de manhã sem sequelas.<br />
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Nos eletroencefalogramas, eu apresentava regiões com picos muito densos ocorrendo de maneira irregular. Uma vez tive uma convulsão enquanto esperava para entrar na sala do exame, o que deve ter tornado o diagnóstico bem claro daquela vez :P<br />
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Este tipo de epilepsia é benigno, ou seja, não causa sequelas nem comorbidades, e normalmente não está associada a outras patologias. Os pacientes tem um desenvolvimento motor e mental sem diferenças notáveis para pessoas sem essa condição. Eu mesmo consegui manter um bom nível de aprendizado na escola, pratiquei esportes, joguei muito video game (mais do que pratiquei esportes) e levei uma infância relativamente normal. Mas para controlar as convulsões e manter o paciente confortável numa fase tão delicada da vida, é preciso o uso de medicamentos anticonvulsivos. No meu tempo de criança, os médicos ainda cogitavam a lobotomia como forma de "curar" a doença, e os remédios que eu tomava me deixavam aéreo e sonolento. O remédio ao qual me adaptei melhor se chamava Epelim, uma cápsula vermelha e branca tomada duas vezes ao dia. O conhecimento das diferentes epilepsias aumentou muito. Sabe aquela coisa que as avós dizem, que "antes ninguém tinha doença, hoje todo mundo tem alguma coisa"? Isso ajuda no diagnóstico e tratamento mais adequado para cada caso. O acompanhamento psicológico também é fundamental, porque a depressão bate à porta o tempo inteiro (olhando retrospectivamente, eu associo minhas dificuldades de relacionamento interpessoal ao meu medo de alguém me ver ou descobrir que era epiléptico, mas de tudo que eu lembro, a única lembrança que eu não tenho é justamente como eu processava emocionalmente a minha condição).<br />
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Quando cheguei aos 13 anos, as crises já não ocorriam fazia meses, mesmo eu deixando de tomar remédio um dia ou outro, e os exames apareciam normais. Fui à neuropediatra que me acompanhou desde o início apresentar os últimos resultados, e ela me disse que eu tinha 70% de chances de nunca mais ter uma convulsão, desde que eu cuidasse da minha saúde e tomasse algumas precauções - evitar bebidas e drogas principalmente - e disse que, se eu concordasse, ela poderia me dar alta. Lembro que naquele dia específico minha mãe não pôde me acompanhar, então foi a primeira decisão importante que eu tomei por conta própria. E dali em diante, isso deixou de ser uma preocupação para mim.<br />
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A Epilepsia Rolândica é a forma mais comum e mais branda de epilepsia. Há outros tipos, com diversas origens - genéticas, lesões no cérebro, doenças infecciosas, problemas metabólicos, traumas, tumores, má formação do encéfalo - com sintomas e efeitos diversos, como espasmos no corpo inteiro ou específicos em determinadas regiões, ausências, distúrbios sensoriais, com prognósticos que variam desde uma vida normal e saudável até sérias limitações cognitivas e motoras, e morte.<br />
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<b>-Síndrome de West-</b><br />
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Eu gostaria também de falar sobre um outro caso diferente do meu, por causa da sutileza com que ele pode se apresentar, e do extremo cuidado que se deve ter para identifica-lo o mais cedo possível e iniciar tão logo o tratamento para atenuar suas sequelas. <br />
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Meu sobrinho, aos 3 meses, começou a sofrer episódios de contração súbita dos braços e pernas. Como um bebê, ele ficava deitado de braços e pernas abertas, e de repente os levava para frente, como se tentasse um abraço. Às vezes pode ser vista contração dos músculos do tórax e abdômem, revirar de olhos, e movimentos para trás com a cabeça. O bebê não chora e não produz som durante ou depois da crise, e tudo dura poucos segundos. É algo difícil de se identificar para quem não estiver muito atento. Esses movimentos são involuntários e pode ocorrer várias vezes ao dia. São os chamados Espasmos Infantis, o tipo de convulsão característica da Síndrome de West.<br />
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A Síndrome de West é uma comorbidade associada a outras doenças ou má formações neurológicas. É rara, e mais ou menos 90% dos pacientes apresentam graves lesões cerebrais pré-natais ou desenvolvidas por predisposição genética nos primeiros meses de vida, como a formação de tumores, microencefalia, atrofia cerebral, paralisia cerebral, não formação de corpo caloso (a estrutura que une os dois hemisférios cerebrais). Ou pode ser críptica, apresentando-se na forma de espasmos clônicos sem uma causa determinável. Por causa das lesões às quais está associada, a Síndrome de West tem um prognóstico muito pessimista: se a comorbidade não for letal, ela será extremamente incapacitante, levando a um baixo desenvolvimento intelectual, cognitivo e motor. Existem remédios que ajudam a controlar as convulsões e tratamentos (fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, etc.) para atenuar as sequelas psicomotoras, mas não há cura.<br />
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O caso do meu sobrinho foi investigado bem cedo. Um ponto nos deixou otimistas: nos eletros, ele não apresentava o quadro típico de West causado por lesões cerebrais, que são linhas em forma de ondas em contraste com os picos de um cérebro com atividade normal (quadro conhecido como hipsarritmia). Tratava-se então de uma Síndrome de West de origem críptica - ou seja, não causada por lesões cerebrais, mas com alguma outra causa sistêmica. Então minha irmã passou a dar atenção à alimentação dele e dela para tentar identificar alguma causa metabólica, enquanto ele tomava remédios fortes que o deixavam quase inerte. Ela tateou no escuro com os médicos até que foi detectado um cisto no cérebro dele, aparentemente benigno, mas que pode ter desencadeado o quadro.<br />
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Depois de alguns meses, ele parou de sofrer convulsões, o que também foi animador, pois na Síndrome de West não existe previsão para o fim das crises. No entanto, houve algum atraso no desenvolvimento motor. Com 1 ano e 4 meses, ele não consegue ficar em pé sem apoio, e caminha com ajuda de órteses nos tornozelos e um andador. Ele não tem firmeza nos tornozelos e não tem força necessária nos quadris para andar sozinho. Faz fisioterapia (que o ajudou a coordenar os movimentos dos braços, que também estavam prejudicados no início), psicomotricidade, e musicoterapia, além de frequentar uma escolinha onde ele é estimulado a interagir com outras crianças. Felizmente, por Deus, essa é toda a sequela que ele teve, dado o quadro arrasador que a Síndrome de West tipicamente produz. Ele tem o desenvolvimento cognitivo e intelectual aparentemente normais, é muito ativo, demonstra emoções, interage com as pessoas e as convida para brincar, é carinhoso com a cachorra da casa (e vice versa).<br />
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<b>-Para saber mais (não esqueçam de checar as referências no final das páginas, para maior aprofundamento)-</b><br />
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-<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Epilepsy" target="blank">Epilepsia (Wikipédia inglesa)</a><br />
-<a href="http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_epilepsy_syndromes" target="blank">Lista de síndromes epilépticas (Wikipédia inglesa)</a><br />
-<a href="http://www.purpleday.org/" target="blank">Purple Day - iniciativa para a divulgação do conhecimento sobre epilepsia. Você pode participar ativamente</a><br />
-<a href="http://www.nice.org.uk/nicemedia/live/13635/57784/57784.pdf" target="blank">Manual (em inglês) para o conhecimento, diagnóstico e tratamento dos diversos tipos de epilepsia</a><br />
-<a href="http://www.epilepsia.pt/" target="blank">Epilepsia.pt, site porutugês sobre epilepsia</a><br />
-<a href="http://drauziovarella.com.br/letras/e/epilepsia/" target="blank">Artigo do Dr. Drauzio Varella sobre epilepsia, um tanto superficial, mas as recomendações são extremamente úteis</a><br />
-<a href="http://www.epilepsiabrasil.org.br/" target="blank">Associação Brasileira de Epilepsia</a>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0