terça-feira, 1 de março de 2016

O caminho

Alguns aspectos das nossas personalidades são inatos, produto de maneiras muito particulares pelas quais as nossas redes neuronais foram construídas desde a concepção. Muitos outros são derivações conscientes ou semi-conscientes desses estados primitivos, quando refletimos sobre nossas atitudes e reações, e como somos percebidos pelos outros. E um pouco, são realmente escolhas que fazemos para nossas vidas.

Então, se eu for traçar uma sequência coerente para definir quem eu sou, eu teria que começar por dizer que nasci epiléptico, que isso perturbou um pouco a minha auto-confiança nas minhas relações interpessoais desde a infância, que isso me levou a cultivar um estilo de vida fundamentalmente individualista e emocionalmente independente (embora não necessariamente maduro :^P), que me levou, eventualmente, a mergulhar em processos de auto conhecimento, que me levaram ao taoísmo, e me levaram ao anarco-pacifismo.

A perturbação da minha auto-confiança num período formativo, como a infância, determinou que eu me tornasse muito tímido. E ainda sou. É uma timidez que me limita severamente em situações em que preciso lidar com outras pessoas, particularmente pessoas desconhecidas. Essa insegurança resulta em um loop interminável de questionamentos e pré-julgamentos, que geram uma ansiedade que pode beirar ao pânico, e que me impede de dar um passo diante de situações simples. Uma solução que encontrei, já na vida adulta, foi suprimir essa intelectualização (o processo de questionamentos e pré-julgamentos de mim mesmo) e agir por impulso. Claro que agir meramente por impulso é perigoso, porque isso desconsidera o risco e as possíveis consequências de cada ação. É aí que entra o taoísmo.

O taoísmo consiste, na sua coluna vertebral, em compreender as forças (físicas, se lhes aprouver) que regem o universo; compreender que cada ação, cada pensamento ou palavra dita reverberam pelo universo. E que existe um fluxo de energia e matéria que segue uma ordem inexorável, contra qual a luta, infrutífera pela finitude da existência humana, nos leva à frustração e ao sofrimento. Que o Tao - palavra que acolhe diversas traduções possíveis, como "caminho", "paz", "estrada", "correção", "deus", "estreiteza", "maneira", etc. - não opera todas essas forças por vontade, plano ou julgamento, características limitadoramente humanas. O Tao é o que é, e faz o que faz, porque não existe outra maneira.

Para seguir o Caminho, o taoísta é encorajado a seguir o exemplo do Tao e suprimir seu ego a ponto de poder ver, ouvir e sentir além de si mesmo, pois assim ele pode agir em consonância com o que se desenrola á sua volta. É aí que ele me encontra.

Nos últimos dois meses eu estive ocupado com uma viagem a Londres com alguns colegas de trabalho. Sobre a viagem em si eu falo em outro post. Mas enquanto me preparava, fiquei levantando informações sobre lugares para se ver, meios de transporte, a logística toda para que todo mundo pudesse aproveitar o que mais gosta na cidade. Logo de início eu os alertei: quando eu viajo, a única coisa que eu sei é quando e como ir embora; o resto sai no improviso. Alguns colegas até procuraram entender como alguém que trabalha metodicamente com eles (sou seu supervisor!) tem uma atitude tão aleatória e impulsiva.

Eu tenho esse comportamento errático quando estou em perfeita calma. "Errático" é, na verdade, quando eu estou seguindo o fluxo das coisas, quando estou calmo, quando suprimi meu ego e parei de "encucar" com meus problemas. É assim que alguém com um histórico de vida de constrangimento em público consegue palestrar para audiências de duzentas pessoas, representar, enfiar-se numa multidão em protesto (pânico de multidões é outro problema grave!) ou desembaraçar-se num país estrangeiro e numa língua que nunca de fato praticou (leio e escrevo inglês com naturalidade, mas nunca exercitei meu "conversation").

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