sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sinestesia

A melhor ideia que alguém já teve foi a de vincular música e imagem. O gênio anônimo deve ter nascido e morrido há dezenas de milhares de anos, pois a música tem sido parte de rituais sociais e religiosos desde que se tem notícia. E esses rituais são, via de regra, grandes representações teatrais, onde uma realidade mítica ou histórica é revivida diante de uma plateia - o princípio do teatro.

Entre culturas mais primitivas, as etapas das cerimônias xamânicas são marcadas por cânticos e batidas ritmados e repetitivos que induzem a um estado de transe ou êxtase (é comum nesses povos as lendas de xamãs que são transportados de uma parte a outra do mundo sobre um tambor voador). No teatro grego, uma parte fundamental de qualquer montagem era o coro. Os atores do coral eram paramentados de acordo com a sua função na peça, e estabeleciam, por texto e música, uma ligação entre a plateia e o íntimo dos personagens, uma espécie de consciência coletiva. No medievo europeu, a música sacra elevava as cerimônias religiosa a um nível quase divino, adequado à função das missas de recriar a história de Jesus e dos santos.

Mas, ah, o cinema. Talvez nenhuma outra manifestação artística una tão bem representação teatral e música. Mesmo na época dos filmes mudos, as melhores salas de cinema contavam com um pianista que executava as peças compostas para cada filme. Os mais geniais daquele tempo, como Charlie Chaplin (que compunha as músicas de seus filmes) marcavam os temas musicais de acordo com as cenas, e as emoções que elas deveriam transmitir ao público. A música então passou a ser usada como um veículo de amplificação das emoções, uma forma de trazer a audiência para dentro do filme, e devolvê-la ao seu lugar a cada fade out.

Outro universo, que o gênio pré-histórico provavelmente nunca chegou a visualizar, onde a música tem sido usada com um sucesso espetacular, são os video games. Os games contam histórias e convidam o jogador a participar delas, alguns em maior ou menor grau, e a música é elemento essencial para manter a atenção presa à tela. Ela chega a influenciar o julgamento que o jogador tem do jogo: muitos jogos bem produzidos acabam esquecidos ou rejeitados por causa de músicas ruins ou inadequadas (já pensou como seria jogar Doom com a música do Bobby Is Going Home?), enquanto outros jogos tecnicamente fracos acabam ganhando mais fãs do que deveriam por causa de temas musicais magníficos. Hoje em dia, em que games deixaram de ser brinquedo de crianças nerds e tetudas, as suas músicas tem ganhado mais espaço, e seus compositores tem sido mais respeitados e valorizados.

Eu não sou um grande fã de música. De fato, eu só ouço música quando não tenho mais o que fazer, porque me cérebro é pequeno, e eu não consigo me concentrar em qualquer tarefa se alguém estiver cantando na minha orelha. De maneira geral, não me despertam qualquer emoção: elas batem no meu ouvido e voltam. Mas as músicas do cinema e dos games, para essas eu me levanto para aplaudir. Esses dias baixei um mp3 num site vietnamita (!) da homenagem feita às músicas de grandes filmes na cerimônia do Oscar de 2002. São cerca de 4 minutos e meio de pequenos trechos mixados. Como é mp3, eu não tenho o clipe à vista, mas as imagens não são necessárias: as músicas, mesmo em trechos de poucos segundos, trazem em si toda a emoção dos filmes e das cenas para os quais elas foram compostas, e às quais elas estão eternamente associadas. Ouvir uma obra desse tipo é uma experiência sinestésica: a música adquire uma imagem e uma emoção, que também é sua.

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