sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Quem quer, aprende em qualquer lugar

Já adianto que corro o risco de estar me repetindo :^P

Tem gente que nem se dá ao trabalho de refletir quando alguém lhes diz que passa boa parte do tempo livre jogando vídeo game: "é um alienado".

Um game é um produto de sua época e do seu lugar, como expressão das pessoas que os produzem, e do público a que ele é direcionado. Como tudo que é produzido por alguém também é. Nos games, você identifica esses "onde", "o que", "quem" (em inglês é mais fácil, são os "wh") nos elementos gráficos e narrativos presentes no jogo. No conjutno deles você depreende os temas, a ambientação proposta. Tudo isso se destina a transmitir, numa linguagem inteligível (mesmo que inconscientemente), uma mensagem que mantenha a atenção do jogador presa à ação que se desenrola na tela, e o convida a participar dela.

É batata. Você pode verificar que tipos de jogos ou quais títulos são grandes sucessos em quais lugares do mundo. Propaganda tem muito a ver com isso, mas a propaganda não faz um jogo legal depois que você se senta e começa a jogá-lo se ele não for. E o que faz um jogo "legal" é como ele o induz a participar dele. E essa indução apela para aspectos culturais pertinentes à cosmologia individual da pessoa, ou social, do meio em que ela vive. Culturas violentas (ou mesmo pacíficas, mas que cultuam um passado de violência, vide os hinos nacionais da maioria dos países europeus hoje "civilizados") demandam jogos violentos, culturas que prezam seu passado demandam jogos que abordem temas históricos, culturas nacionalistas (que exaltam exacerbadamente símbolos nacionais, por vezes arbitrários) demandam jogos que apresentam, ou mesmo simulam aspectos delas. É por isso que um jogão de luta de Super Nintendo, cujo tema é Tae Kwon Do, foi lançado só no Japão e na Coréia do Sul, os FPS (tiro em primeira pessoa) e simuladores de combate aéreo da Segunda Guerra Mundial ou Vietnã, onde os americanos são os herois arquetípicos, são um sucesso estrondoso nos EUA e em sua periferia cultural. E por isso existem milhões de chatérrimos e bizarros jogos de Mah Jong, Pachinko e Turfe para video games, e você não entende por que.

Eu, que me interesso por temas históricos e jogos de estratégia (não necessariamente uma coisa tem a ver com a outra), adoro Civilization. A série toda. Civilization tem uma coisa muito legal, que nem tem a ver com a ação em si e nem precisaria estar lá para que o jogo funcione, mas foi incluída mesmo assim, que é a Civilipédia: uma sintética enciclopédia detalhando todos os temas abordados no jogo sob o aspecto histórico (tipos de terreno e recursos naturais e como eles foram ocupados ou explorados, as civilizações e seus líderes, unidades militares, etc.). Como simulação histórica, é um fracasso, até porque as variáveis são tantas que o comportamento da IA (inteligência artificial) sempre beira a aleatoriedade, segurada apenas por alguns atributos pré programados. Mas o jogo é um medium para você se introduzir nesses assuntos.

Gosto muito do CivIII. Acho que o timing dele é perfeito, embora perca em complexidade e beleza para versões posteriores, e é por causa esse ritmo que eu o jogo (e porque o CivIV é em DVD, e só no PC da minha irmã que eu posso jogar :^P). Ele tem alguns cenários prontos, onde você se vê como líder de uma nação real em um cenário que simula um período histórico real (que obviamente não se desenrola com fidelidade histórica, dada aquela aleatoriedade de que eu falei, além de você também ter sua própria inteligência para tomar decisões inesperadas :^P). Um dos meus cenários preferidos, basicamente porque ele tem regras e elementos bastante diferentes do usual, é um situado no período Sengoku, a guerra civil entre Daimyos ("senhores feudais") do Japão entre os séculos XVI e XVII. Dele participam os Daimyos mais famosos e importantes da época, não necessariamente situados cronologicamente de maneira correta (Oda Nobunaga deveria deixar de existir antes da metade do jogo e se bate com Daimyos que não estavam ativos quando ele era vivo... enfim, neuroses minhas), e nele você constroi monumentos, obras públicas, unidades militares, e desenvolve tecnologias próprias do período. Eu, como bom nerd, cacei informações sobre tudo que despertou a minha atenção nesse cenário.

Ultimamente tenho lido Musashi, de Yoshikawa Eiji, na versão em dois volumes tijolões que pertencem ao meu ex-futuro-cunhado, e por isso preciso ler o mais rápido possível para não abusar da boa vontade dele. O livro aborda, de maneira largamente fictícia, a vida do samurai Miyamoto Musashi (que eu já conhecia por um livro que ele mesmo escreveu, o Livro de Cinco Anéis). Ele pega o final do período Sengoku, quando a política japonesa começava a se assentar em torno do shogunato Tokugawa. O autor trata das peregrinações do samurai na sua juventude, e as aventuras dos personagens secundários que orbitam em torno dele, e as usa como pretexto para introduzir na história personagens famosos da época. Ler esse livro me remete ao que eu aprendi jogando Civilization: da deflagração do Sengoku (a guerra civil), da ascenção de Oda Nobunaga, da coalização encabeçada por Toyotomi Hideyoshi, da tomada de poder por Tokugawa Ieyasu, da reconstrução do país, das classes sociais, da participação na política de daimyo como Takeda Shingen, Uesugi Kenshin, e Date Masamune (que vc não deve ter ouvido falar, mas certamente o reconheceria pelo elmo com uma lua crescente na fronte, característico dele, que se tornou o arquétipo do samurai em sua representação ocidental, como Tom Cruise em O Último Samurai). Enfim, é um ambiente familiar pra mim, e cada nome que surge, eu já penso "esse cara era foda". O veículo para isso foi, tchan, um video game.

Por isso, quem quer aprender, aprende com qualquer coisa. Qualquer atividade e qualquer fonte pode ser instrutiva ou destrutiva, dependendo da índole, da capacidade, e da vontade de cada um. É possível aprender alguma coisa com Big Brothers da vida, mesmo que seja pelo menos aprender a mudar de canal - já é algo construtivo, algo que se encaixaria numa coisa que Einstein (eu acho) disse, parecido com isso: "quando você aprende, seu cérebro se dilata, e nunca mais volta ao tamanho original".

Já são 11:00 e é melhor eu começar a trabalhar :^P

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