sábado, 4 de julho de 2015

Cada um fazendo a sua parte

Qualquer pessoa mental e espiritualmente sã entende que deve-se lutar por igualdade. Muda-se a prática: alguns tem mais atrevimento do que outros, e mesmo os que se mantém passivos, tenho certeza que esperam e torcem para que outros estejam lutando em seu lugar.
Das muitas lutas que se trava todo dia e que eu conheço de perto , vou destacar três frentes que eu acompanho diariamente: feminismo, ativismo LGBT, movimento negro.
Minha empatia me faz abraçar essas causas, mas, naturalmente cauteloso, eu escuto primeiro. Assim, percebi que pode ser um equívoco tomar a linha de frente, definir pautas e estratégias, advogar as causas, porque eu obviamente não sou mulher, nem LGBT (na época em que se definia por GLS, eu ainda era o S) e nem negro. Não experimento suas dificuldades e não experimento diretamente suas conquistas. Por mais simpático que eu possa ser, eu ainda sou um homem branco cis hétero que se aproveita passivamente de uma sociedade estruturalmente machista, e tudo que eles não querem é serem representados por mim.
Uma pessoa mais estúpida os consideraria, portanto, inimigos. Há ativistas do outro lado que também enxergam dessa forma. Eu, contudo, compreendo a posição e a respeito. Mas isso não significa que eu ou ninguém que sofra esse não pertencimento deva permanecer de braços cruzados. Porque eu não posso lutar as lutas das mulheres, de LGBT e nem dos negros, mas se o machismo está em mim, se o preconceito sexual está em mim, se o racismo está em mim, não é menos do que a minha obrigação lutar para destruí-los todos os dias. E de cada um de vocês. Assim lutamos por uma sociedade justa, cada um onde lhe compete, para a cooperação de todos.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Novo blog

Há três semanas lancei um novo blog, onde dou vazão a dois hábitos meus, o de querer saber o que aconteceu num dia no passado, e de escrever sobre isso. É o Efemérides.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Sinistro

Todas as atividades que me dão prazer, as tenho realizado por motivos práticos: por inércia (trabalho, sociais), para preencher lacunas de tempo (ler, escrever, desenhar, games, música), ou por obrigação (comer, pedalar). Nenhuma delas pelo prazer que proporcionam. Isso tem me esgotado sobremaneira. Isso tem convergido e se manifestado em estafa, indiferença, e sonhos perturbadores, como esse abaixo. É preciso desacelerar:

"São 4 da manhã e eu estou escrevendo na esperança de tirar um sonho da cabeça e voltar a dormir.
Tudo começou quando ouvi falar que existia um filme sobre dois dançarinos que conquistavam pessoas e despertavam paixões enquanto competiam entre si. Era um dançarino espanhol e outro egípcio. Eram dois estereótipos cômicos dos anos 50 de amantes exóticos que faziam as mulheres suspirar com o poder dos seus bigodes e do seu sapateado. Ambos se chamavam algo como "Pés-dançantes-e-quadris-pulsantes" nas suas respectivas línguas (a língua do egípcio era francês), e um contra o outro era o nome do filme. Era esse o nível de absurdo.

Até aí foi divertido.

Acontece que esse filme evocava um ser maligno, que não tinha nome, mas vou chamar de Sinistro. Ele apareceu da seguinte maneira:

De alguma forma eu me vi participando do filme como figurante ou expectador ao vivo. Entre uma cena e outra, eu me vi com dois espanhóis encostados num carro, na praia do Leblon, conversando sobre diferentes formas de se pronunciar as mesmas palavras em diferentes lugares em espanhol e português. Vale dizer que era noite, e que o sonho inteiro se passava à noite. Foi quando passaram por nós dois garotos correndo. Eram dois meninos negros sem camisa, de no máximo 5 anos. Correram em direção ao rochedo no começo da praia, onde fica a colônia de pescadores. Eles estavam machucados e assustados, e eu vi que precisavam de ajuda. Fui até eles e detive um pelo ombro. O outro fugiu, e ele se debatia mesmo quando eu ofereci ajuda.

Então surgiu um homem com uma capa de chuva preta, capuz cobrindo a cabeça. Numa fala calma, mas bastante afetada, ele dizia que agora estava tudo bem, me agradecia, e falava amigavelmente com o menino. Eu o soltei. O homem o pegou pelo braço, o ergueu do chão, e começou a devorar uma perna. O menino urrava de pavor.

Fiquei desorientado por uns momentos. Quando me dei por mim, estava estabelecido que esse Sinistro seria um assassino em série que tinha preferência por mulheres e crianças, que ele devorava ainda vivos.

Eu estava entre fugir e acabar com ele, quando o encontrei novamente, comendo a carne de outra criança. E eu pude ver a sua aparência: Era um homem muito alto, mas muito curvado que o fazia mais baixo que eu. Parecia nu sob a capa. Sua pele era branca, mas ela desaparecia nas articulações dos membros, expondo restos de carne arruinada; o rosto parecia ser composto por retalhos, com lábios, nariz, bochechas, testa como se tivessem sido colados separadamente um sobre o outro, e não tinha cabelo. Não lembro de olhos. Numa atitude macabramente cortês, como antes, ele me explicou porque fazia aquilo. Deus havia criado o homem imperfeito e fomentado o pecado plantando uma árvore proibida no Éden, resultando inevitavelmente em sua queda. Sendo a queda programada e o pecado um aspecto do divino, ele entendia que cometer os pecados mais abomináveis - o assassinato de inocentes e canibalismo - eram uma forma de adoração mais elevada. Ele sinceramente acreditava estar praticando o bem maior.

Ele então mudou subitamente de atitude e partiu furiosamente para cima de mim, querendo me matar ou me comer vivo. Eu tentava escapar, mas o tempo todo ele quase me agarrava. Consegui pegar um machado e golpeava a esmo tentando afastá-lo. Consegui golpeá-lo na cabeça, mas ao ver que isso não o matava, golpeei várias vezes, destruindo seu crânio. Mas nem isso o detinha.

Nessa hora acordei, e ainda tomei um baita susto ao olhar as roupas pretas penduradas num gancho na parede do meu quarto. Respirei por alguns momentos, rolei na cama com o sonho fresco na memória e voltei a dormir. E voltei a sonhar.

Neste outro sonho, que também se passava à noite, eu estava na rua (a mesma rua onde encontrei o Sinistro pela última vez), entre os meus colegas de trabalho, e eu contava a eles o que tinha acabado de sonhar. Foi aí que eu concluí que o filme dos dançarinos continha uma maldição, e que além disso, outros objetos em cena, como umas varas de bambu que compunham uma das cenas do filme (e que estavam ominosamente ali presentes naquela outra "realidade") também continham uma energia negativa. Procurei jogar tudo fora.

Uma das minhas colegas, que é espírita, começou a falar de algo que ela chamou de "seres transversos", que eram espíritos que habitavam as casas e circulavam livremente nelas, nos atravessando o tempo todo sem percebermos, por serem imateriais, mas que nos influenciavam positiva ou negativamente.

Eu me vi num prédio, e eu podia ver o interior do prédio como se olhasse um recorte vertical esquemático dele, ao mesmo tempo em que eu me via dentro dele, cercado por paredes. E eu podia ver "seres transversos" fluindo suavemente por toda a construção, subindo e descendo em diagonais, indo de um lado para outro. Eles eram de luz. Mas entre eles havia um único vulto furtivo que vez ou outra surgia de relance. Então, de repente, num susto, ele apareceu claramente na minha frente. Sua forma era uma espécie de anel grosso e negro, com um rosto angulosamente estilizado no estilo maia entalhado. Eu entendi que ele era a razão de eu ter tido aquele sonho anteriormente. Então eu enxergava tudo escuro em volta dele, e conforme a minha angústia aumentasse, eu via chamas. E de repente os seres de luz sumiram, e o meu prédio era uma coluna espiral de fogo em fúria. Era o próprio inferno, e o tal anel flutuava e girava no meio de tudo, e eu tentava sair desesperadamente. Gritava, pedia por socorro, mas eu estava só.

Então, por um momento, no meio desse caos, eu não enxerguei paredes. Eu podia ver a rua. Me arrastei para fora dali, e a visão desapareceu. Meus colegas ainda estavam ali, me olhando com estranheza, porque só eu tinha visto aquilo. O prédio nunca havia existido. E eu entendi que o prédio, e todos aqueles seres que o habitavam... eram eu."

sexta-feira, 10 de abril de 2015

A lenda do Preste João

O tempo inteiro o ser humano é desafiado a tomar decisões. A grande bifurcação na vida de toda pessoa é o momento em que ela deve decidir entre perseguir um sonho ou usar o que tem nas mãos para fazer o melhor que pode. A utopia e o pragmatismo. 

No segundo caso, é possível prosperar com alguma sorte (a sorte de você ter em mãos ou ao alcance delas recursos para alavancar os seus planos, por exemplo), elevando a sua posição ao máximo que o pavimento onde ela se alicerça pode lhe dar. Mas não vai sair muito disso.
No primeiro, a única certeza é o caminho. A utopia, por definição, é o ideal inatingível. Esperar pela utopia é, portanto, ter certeza de uma decepção. Mas a busca pela utopia nos leva a caminhos impensáveis, que, assim desbravados, abrem novas possibilidades para todos.

A linha do tempo da humanidade foi desenhada por essas escolhas.

Feito esse preâmbulo, deixe-me apresentar a lenda do Preste João:

Em meados do século XII, começaram a circular pela Europa informações de uma carta endereçada ao imperador bizantino Manuel Comnenus assinada por um certo Preste João. A carta era uma espécie de pedido de socorro e ao mesmo tempo uma oferta de ajuda. Preste João se dizia descendente de um dos Reis Magos, e ele mesmo era rei de um país cristão localizado na Ásia, e estava lutando em desvantagem contra exércitos de infiéis (muçulmanos e pagãos) dos reinos que o cercavam. A carta também descrevia o reino de Preste João repleto de riquezas, como pérolas, pedras preciosas, uma fonte da juventude, e criaturas fantásticas como aves gigantes e homens chifrudos com três olhos atrás da cabeça.

A carta obviamente era uma farsa. Mas para a Europa do século XII, em que previsões do Fim dos Tempos iam e vinham como a chuva, e cujo conhecimento do mundo além da Pérsia e do norte da África era baseado em rumores e lendas, coisas como homens-porcos eram perfeitamente possíveis, ou informações que um governante educado poderia ignorar como recurso estilístico para ressaltar a exoticidade de alguém que prometia ser dono de riquezas inimagináveis, ou um exército contra um inimigo comum e imediato e que poderia destruir tudo a qualquer momento. E era isso que importava. O autor da carta dava credibilidade ao seu relato citando a Igreja Nestoriana, a denominação cristã dominante da Ásia e que a Europa mantinha contato através da Pérsia, e lá residia o Patriarca da Igreja de São Tomé, que sabidamente existia na Índia desde o século I - fosse Preste João católico e estivesse jurando obediência ao Papa, por exemplo, a farsa seria mais evidente. A carta estar endereçada ao imperador bizantino, de cuja Igreja havia se originado o nestorianismo séculos antes, também foi sagaz.

Eventualmente a carta chegou ao Papa Alexandre III, que, em 1177 enviou uma comitiva para o oriente para encontrar Preste João e entregar-lhe uma resposta. Ele esperava sinceramente que Preste João se tornasse um aliado na luta perpétua de cristãos e muçulmanos no Oriente Próximo. Os mensageiros nunca retornaram. Apesar disso, aventureiros europeus continuaram forçando o caminho para o leste em busca do reino de Preste João e suas riquezas, tateando por rumores e suposições, geralmente esbarrando em muçulmanos ou assaltantes, ou apenas voltando de mãos vazias.

Cerca de 40 anos depois da comissão de Alexandre III, o Bispo de Acre trouxe boas notícias da Quinta Cruzada, rumores de um poderoso rei que marchava no leste contra os infiéis na Pérsia. Uma onda de otimismo invadiu a Europa, e muitos acreditavam que Preste João, ou provavelmente um de seus descendentes chamado Davi, estava vindo para ajudá-los.

Infelizmente, não era o Preste João. Era ninguém menos que Genghis motherfucking Khan.

Genghis havia conquistado a Pérsia e destruído Bagdá, pelo que os cristãos europeus ficaram eufóricos. Eles, que estavam bem preparados para ataques árabes na Palestina e na Anatólia, mas não para as hordas mongóis vindas da Rússia, só perceberam realmente o que estava acontecendo quando, de assalto, os mongóis, sob o filho de Genghis, Ogedei, devastaram a Polônia e a Hungria, e só pararam por aí porque o mesmo Ogedei morrera e seus generais tiveram que voltar à capital Karakorum para eleger o novo Khan.

Apesar disso, a lenda de Preste João persistiu por muito tempo, apoiada em relatos de exploradores confiáveis. Marco Polo descrevia Genghis Khan como um vassalo de Preste João que teve a audácia de pedir uma filha sua em casamento, e a recusa ocasionou uma guerra na qual João perecera (Temudjin realmente tomou uma cristã nestoriana como esposa para um dos seus filhos, fato que levou a uma guerra contra o pai da moça, o khan karaíta e nestoriano Toghrul). A maioria dos relatos pós-mongóis posicionavam Preste João como um dos reis derrotados por Genghis Khan, mas sugeriam que seu reino ainda existisse em algum lugar na China ou na Índia, ou mesmo na África, onde os reis etíopes preservavam o cristianismo apesar de um relativo isolamento com as nações européias devido à expansão islâmica (o missionário Jordanus, em 1329, diz que o rei da Etiópia do seu tempo era o tal Preste João, e em 1441 os embaixdores do imperador Zara Yacob no Concílio de Florença ficaram confusos quando os clérigos europeus insistiam em se referir ao seu senhor como Preste João. É provável que os imperadores etíopes sequer tenham ouvido falar do Preste João até meados do século XVIII).

Viajantes europeus, e mesmo governos nacionais (mais de uma expedição marítima portuguesa para o leste teve a incumbência de localizar o Preste João) procuraram o reino por 500 anos. Por mais legendário que fosse, foi uma das forças motivadoras para os europeus para a exploração do mundo fora da Europa, e abriu caminho para o intercâmbio cultural, científico e tecnológico entre regiões anteriormente tão isoladas por barreiras culturais e políticas.

P.S.: Não faço a menor ideia de como a configuração do texto deste post ficou assim.

sexta-feira, 20 de março de 2015

De bike por aí - experiências, críticas, etc. com o Bike Rio e as ciclovias da cidades

Sou um homem obeso de 36 anos que passou 3/4 da vida sustentando uma massa corporal de três dígitos. Alguém imaginaria meu sofrimento em subir escadas ou caminhadas longas. Não é o caso, sempre trabalhei minha resistência ao esforço prolongado (mais do que em exercícios anaeróbicos), caminhando sem limite para parar. Isso nunca diminuiu meu peso, mas pelo menos me ajudou a estabilizá-lo na faixa de 105-110 kg nos últimos 20 anos sem que eu mexesse na minha dieta de gordo. E me tornou muito resistente.

Bike Rio e a estrutura que a cidade oferece

No começo deste ano resolvi andar de bicicleta, em parte por ter um cartão de crédito, em parte por ter perdido a linha no fim do ano. Me cadastrei no sistema Bike Rio e comecei a mandar brasa. O sistema impõe um limite de no máximo 60 minutos a cada viagem, de maneira que as minhas metas de tempos e distâncias, e de ir daqui pra lá, precisam estar dentro desse limite.

O sistema inclui uma rede contínua de estações na Zona Sul, no Centro e na Grande Tijuca. Ainda possui uma outra rede separada desta, entre Barra da Tijuca e Recreio, e, isoladas, uma estação na Rocinha e 4 no Parque de Madureira. As rotas precisam levar a disponibilidade de estações no caminho em consideração.

Onde eu moro não é coberto pelo sistema. São mais de 3,5 km de distância até a estação mais próxima. Mas como trabalho na Zona Sul, tem sempre uma estação por perto. Por isso, eu circulo principalmente entre Jardim Botânico, Lagoa, Leblon, Ipanema, e no eixo de Botafogo entre o Jardim e a Praia de Botafogo. Outra região que eu costumo pedalar é na Grande Tijuca, entre Tijuca, Praça da Bandeira, Maracanã e Vila Isabel. Uma ou outra vez eu fui da Zona Sul ao Centro, mas já é uma viagem longa que exige um intervalo 15 minutos para a troca de bicicletas no meio do caminho. E tem sempre o risco de você não encontrar uma bicicleta livre e ficar por ali mesmo.

A Zona Sul é fácil. As ciclovias são abundantes, e quando não são, as calçadas são geralmente largas e relativamente bem conservadas. No Centro as ciclovias começam a desaparecer. O corredor mais seguro para ir do Centro para a Grande Tijuca é atravessando a Lapa, a Cruz Vermelha, o Catumbi e o Estácio, mas não existe ciclovia, e mal existe calçada nessa rota, de maneira que o ciclista precisa seguir o fluxo do trânsito grande parte do tempo. Durante a semana, no horário de início de noite, além do tráfego pesado de carros e ônibus, é muito perigoso nessa região, e quem anda de Bike Rio tem pelo menos um celular a ser roubado. Isso me impede de ir do trabalho até o mais próximo possível de casa de bicicleta. A Grande Tijuca também carece de ciclovias, mas o trânsito é mais contornável e mais seguro.

Por conta do trânsito, eu acabei percebendo que é possível cortar caminho de bicicleta e encurtar o tempo que seria gasto com ônibus para ir de ponto A a ponto B. Encurtar significativamente. Num trecho aqui na Zona Sul, no fim de tarde, o ônibus demora cerca de 50 minutos para chegar no túnel Rebouças. De bicicleta, eu chego na cara do Rebouças em 15. Então eu passei a usar essas bicicleta não tanto para lazer e exercício, mas para poupar tempo.

As dificuldades

Circular pela cidade tem seus contratempos. São muitos carros, sinais de trânsito, outras bicicletas, e pessoas que é preciso respeitar. É preciso estar atento o tempo inteiro. Inclusive com a bicicleta. Como a bicicleta não é "sua", cada uma que você pega tem um comportamento diferente em que você precisa se adaptar, frequentemente com algum defeito. Essas bicicletas são muito pesadas e muito duras, embora a constituição delas não seja robusta como uma Barraforte. São vários os problemas mais frequentes, e a maioria deles não é óbvia na hora de pegar uma bike. Eles são:

-Pneu baixo, careca, ou terminantemente arrebentados com as câmaras vazias puxadas para fora;
-Freio fraco ou estourado;
-Câmbio. Acho que é a parte mais problemática. Muito comum a segunda marcha não encaixar, e a terceira deixar a correia pulando, fazendo o pedal girar em falso. Nos casos mais críticos, a correia escapa nessa situação;
-Espelhos arrancados - não que eles sejam muito úteis de qualquer maneira;
-Bancos que não sustentam o seu peso e abaixam de repente, ou não ficam devidamente travados de giram enquanto você pedala;
-O guidão é feito de um alumínio muito fino que se quebra com frequência assustadora (duas vezes comigo, outras tantas pelo que eu já vi em bikes estacionadas por aí);

Isso tudo, aliado com espaços inadequados em boa parte da área coberta pelo Bike Rio atrasa bastante as coisas. Seria interessante se a prefeitura, que é parceira do Itaú neste projeto, também abrisse espaço para outros serviços similares. A concorrência seria salutar. E é imperativo expandir o sistema de ciclovias, mas não como fizeram na região de Campo Grande - pintando calçadas já existentes de vermelho, deixando postes, árvores e tudo mais no meio do caminho. O uso de faixas estreitas no canto das ruas no Centro e na Tijuca tiveram pouco impacto no trânsito no local, e são alternativas mais viáveis para regiões completamente ocupadas e populosas, como o Grande Méier ou a parte da Zona Norte "do lado de lá" da linha do trem, que é praticamente impossível de se conectarem por bicicleta com o resto da cidade por falta de espaços para isso.

O Bike Rio, em tese, tem caminhonetes circulando pela cidade com técnicos, e reboques para levar bicicletas defeituosas, ou transportar bicicletas de uma estação cheia para outras mais vazias. Mas esse serviço não é imediato, e é possível que certas estações fiquem vazias por vários dias, ou com bicicletas quebradas presas a elas.

De grão em grão a gente perde um quilograma

De qualquer maneira, eu fiz uma contabilidade do meu desempenho, desde o dia 12 de janeiro último, quando comecei, até hoje, a tarde do dia 20 de março. Desconsiderei nessas contas trajetos muito curtos (com menos de 2 km, facilmente transponíveis a pé), o que mascararia os resultados finais com dados pontualmente insignificantes (aumentaria muito a quantidade de dias pedalados, de percursos e velocidade média, diminuiria muito a distância média por percurso, sem que isso demonstre algum ganho de tempo e saúde pela atividade).

Do dia 12/01 até agora, a tarde do dia 20/03, foram efetivamente 34 dias pedalando em 47 percursos (ou trechos, por exemplo, ao pedalar um trecho, depois pegar um ônibus, e mais tarde pedalar outro trecho. Ou pedalar de manhã, e depois à tarde no mesmo dia).

Neste período eu percorri 312,2 km, a uma velocidade média de 10,97 km/h. Os percursos tiveram distância média de 6,47 km, e o mais longo deles, 12,7 km (vencidos em 65 minutos). Atingi o meu 300º quilômetro ontem, na Praça da Bandeira.

A maior velocidade média alcançada foram dois picos de 15,6 km/h em trajetos de 3,7 km, em ciclovia plana. O segundo trajeto mais longo de todos, de 12 km, perfiz a 14,4 km/h, também em ciclovia plana.

Não houve melhora significativa na velocidade média dos percursos ao longo do tempo (eu fiz um gráfico pra ver). O que houve foi uma melhora significativa na minha condição física ao final dos exercícios. Meus sistemas cardiorrespiratório e o vascular estão funcionando macios, macios, e as pernas não tremem mais.

Mas não graças aos guidões de latinha de refrigerante :P

segunda-feira, 9 de março de 2015

Bike Rio - alerta aos usuários


O ano começou muito diferente para mim. Pela primeira vez na vida eu tenho cartão de crédito e faço transações eletrônicas (eu era um usuário de papel moeda convicto, e ainda não confio totalmente em dinheiro invisível). Isso me permitiu usufruir do serviço Bike Rio, sistema integrado de aluguel de bicicletas disponibilizado em parceria do banco Itaú com a prefeitura do Rio que cobre, de maneira meio desconexa, Zona Sul, Centro e Grande Tijuca (a rede funciona de maneira mais coesa nessa região, embora as ciclovias não cheguem na maior parte da Grande Tijuca), Rocinha (uma única estação cuja utilidade prática eu ainda hei de encontrar), Barra, Recreio, e Madureira (4 estações isoladas dentro do Parque de Madureira). Uso o serviço quase diariamente, e desde 12 de janeiro já percorri quase 250 km pela cidade. Em outra ocasião eu escreverei amenidades sobre isso.

O motivo de eu estar escrevendo sobre isso hoje é que eu sofri um acidente e acho que vale a pena deixar aqui como alerta aos demais usuários sobre a segurança do equipamento.

De manhã eu cheguei de ônibus em Vila Isabel, e peguei uma bike na estação 192 da Praça Barão de Drumond. Pretendia ir com ela até a Praça da Bandeira, evitando assim um trânsito e um caminho desnecessariamente convoluto do ônibus que eu pegaria para chegar ao trabalho, e com isso economizaria cerca de 15 minutos de viagem. Quando cheguei ao cruzamento da Av. Manuel de Abreu com a Rua Felipe Camarão, uma espécie de pontezinha que passa sobre o canal que segue pelo meio da avenida, eu me desloquei para fora da avenida e fiquei esperando o sinal da Felipe Camarão fechar para atravessar. Quando fechou, eu me apoiei sobre o guidão para acelerar. De repente, todo o meu peso foi para frente e para baixo, e eu rolei pelo chão no meio da rua.

O guidão havia se partido completa- mente. Estou colocando uma foto aí ao lado para mostrar como ficou. O guidão é um tubo de alumínio oco e bem fino que se rompe sem avisar. Ele não amassa, não racha, simplesmente quebra sob stress, e stress neste caso significa inclinar seu corpo para frente sobre ele. Não foi a primeira vez que isso me aconteceu; outro dia, ao atravessar um sinal na Delfim Moreira, no Leblon, o guidão se rompeu, mas de uma forma em que eu ainda consegui "encaixar" as duas partes e, com o cuidado de uma mãe, levá-la até uma estação próxima.

Me levantei, bati umas fotos, e levei a bike até a estação mais próxima dali, a 199 (Praça Niterói). Quando cheguei lá, a ironia: alguém havia sofrido o mesmo tipo de acidente de deixado a bike naquela estação com o guidão partido. A foto aí mostra as duas juntas.

A minha sorte, em ambos os casos, hoje e quando aconteceu no Leblon, foi ter atravessado com o sinal fechado, e não estar seguindo o fluxo, senão seria atropelamento na certa. E mais, sorte do meu corpo não ter caído sobre o cano partido de alumínio, sobre o qual estava apoiado no momento da quebra, senão eu seria rasgado pelo metal. Apesar do perigo e da pastelança da queda, não tenho nenhum roxinho decente pra contar história. De qualquer forma, registrei o ocorrido ao Bike Rio por telefone, e estou divulgando em todas as minhas redes para ver que providências serão tomadas. Aos usuários, o alerta.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Toda pessoa importa

Fazer o bem sem olhar a quem. Gentileza gera gentileza (Amorrr). Seja a mudança que você quer ver no mundo. Ama o próximo como a ti mesmo. Todo embrião gerado há pelo menos 4 horas neste planeta já ouviu alguma dessas frases e achou bonitinha. Ou achou que é coisa de hippies, comunistas, ou hippies comunistas. Mas, dentre todos os seres humanos que estão na Terra neste minuto com mais de 4 horas de vida, quantos realmente pararam para pensar no que os profetas, ungidos, louquinhos de rua, e hippies comunistas estavam tentando dizer.

Por mais individualista que você acredite ser, sua qualidade de vida depende largamente da sua interação com as outras pessoas. Se você é uma pessoa absolutamente reclusa e solitária, que não é assistida por ninguém, que não assiste TV, não ouve rádio, não acessa internet, não pede comida por telefone - nem sai pra comprá-la no mercado, nem por qualquer outro motivo - então, em algum momento, a sua qualidade de vida vai depender, em algum grau, da sua relação com outras pessoas. Viu, até o João Gilberto está sujeito a isso.

Agora, se você é uma pessoa normal, que sai todo dia pra trabalhar ou estudar, pega trânsito, sobe num ônibus, mostra o crachá na portaria, almoça no quilo, recebe e distribui tarefas, volta pra casa e janta com familiares, e posta abobrinhas no facebook, então essa relação é mais óbvia. Pois veja: mesmo que você seja uma pessoa extremamente satisfeita consigo mesma, se você esbarrar com uma pessoa grosseira na rua, o motorista do ônibus passar do seu ponto, seu chefe te der um esculacho, a comida do restaurante estiver morna, seu(sua) companheir@ estiver de ovo virado, e seus posts no face forem criticados, seu humor não vai resistir por muito tempo. Imagine isso se repetindo todo dia. Sua boa disposição vai lentamente, entre idas e vindas, se transformando em misantropia, você vai "endurecendo", se torna cada vez mais ranzinza.

Sua crescente insatisfação poderá, possivelmente, levá-lo a apontar para os responsáveis pela sua angústia. Embora a habilidade de apontar o dedo indicador não seja presente desde o nascimento, uma vez aprendida se torna a maneira mais fácil de identificar problemas. A pessoa da rua é uma estúpida, o motorista é um incompetente, seu chefe é arrogante, o restaurante é ruim, seu(sua) companheir@ não entende você, e as pessoas no face são manipuladas. Resolvido.

Só que não.

Este é o mundo visto em primeira pessoa. Se você se encaixa nesse padrão de comportamento, então você é tão egoísta que acha que o mundo inteiro se importa tanto em azucrinar você que ele tem um plano sistemático para isso, que envolve pessoas que você nem conhece. Como essa ilusão é algo que pode ser resolvido com remédios, vamos pensar fora da caixinha. Ou, como eu gosto de dizer, vamos calçar os sapatos de outra pessoa.

Vamos pegar o motorista. Ele não é um homo ex machina cuja única função é dirigir um ônibus. Ele acorda cedo e com fome, sai para trabalhar, cumpre seu horário, volta para casa. Ele, como você, no percurso do dia, estabelece relações com outras pessoas. Será que elas o tratam com gentileza? Será que ele mora num lugar em que ele é respeitado, será que o padeiro lhe dá bom dia? Será que o patrão não está exigindo dele mais do que as suas ferramentas de trabalho lhe permitem (como é comum das empresas de ônibus cobrarem tempos de percurso dos motoristas que só são possíveis em condições perfeitas de trânsito)? Será que ele tem que aturar grosserias de passageiros e de outros motoristas? E ao voltar para casa, será que a sua família dá valor ao seu trabalho?

O padeiro que não deu bom dia ao motorista, será que ele dormiu bem? Ele mora num local seguro? Alguém pediu fiado e não pagou, ou alguém assaltou a padaria enquanto estava fechada? Seus parentes estão bem de saúde?

Eu creio que já me fiz entender e não vou seguir a vida de cada ser humano para mostrar como as interrelações determinam comportamentos e e o estado emocional das pessoas, e é essa a matriz emocional que determina o quão bem nos sentimos com as nossas próprias vidas e nos motivam a fazer determinadas escolhas. Isso vale para mim, para você, para o brucutu da rua, para o motorista do ônibus, o segurança do trabalho, o seu chefe, seus colegas, seu(sua) espos@, pais e filhos. Assim como o emocional afeta o seu rendimento no trabalho, sua disposição para lidar com as pessoas, e as escolhas que você faz com a sua vida, o mesmo ocorre rigorosamente com todas as outras pessoas.

Finalmente cheguei onde eu queria: a importância de cultivar positivamente cada relação. Mesmo a mais banal. Mesmo com quem você nem precisaria se importar. Por exemplo, e isso é assustadoramente comum onde eu passei a minha juventude, pessoas que podem se dar ao luxo de pagar a terceiros por serviços que são necessários mas elas não tem tempo nem disposição, ou simplesmente acham indigno fazê-los. Não raro, ao estabelecer uma relação de trabalho com o prestador, a pessoa cria uma barreira emocional, e o prestador vira um homo ex machina. Por exemplo, um técnico que foi chamado para consertar a máquina de lavar: uma pessoa pode escolher recebê-lo com cortesia ou exigir que ele faça logo o serviço e saia o mais rápido possível. Se o sujeito for profissional, ele fará o serviço pelo qual foi pago indiferentemente.

Por meio da imobiliária da qual eu alugava minha casa eu conheci um pedreiro, o Vadinho. Sujeito muito competente, bem disposto, inteligente, caprichoso, virulentamente honesto. Por meiod a imobiliária, ele veio ao socorro em casos de urgência. Estabelecemos um relacionamento mutuamente generoso, a ponto dele vir me socorrer outras vezes, mesmo que eu não pudesse pagá-lo pelo serviço, e em contrapartida eu oferecia sobressalentes, como botijão vazio, um vaso sanitário melhor do que os que eu tinha instalado, qualquer coisa que eu tivesse e ele precisasse, e ele se colocou à minha disposição, mesmo morando agora do outro lado da cidade. Por outro lado, a imobiliária o tratou como um empregado, não valorizou sua experiência e não quis atender às suas orientações sobre outras obras nos seus imóveis. Entre eles, a menor falha na questão financeira fez com que ele recusasse serviço deles, e eles perdessem um ótimo pedreiro. Mas em algum momento ele pode ser necessário novamente, e talvez ele escolha não atender a esse novo chamado. Minha esposa me repreendeu por ter sido cortêz com o corretor da mesma imobiliária, apesar dele ter nos faltado com várias coisas ao longo dos anos. Mas se eu precisar alugar novamente naquela região, talvez eu precise recorrer a ele novamente, e achei por bem manter aquela porta aberta. Da mesma forma evito de cortar relações com as pessoas mais diferentes de mim, porque em algum momento eu precisarei de algum conselho, alguma recomendação, alguma informação, ou algum serviço que eles, dependendo da sua boa vontade comigo, poderão ou não atender. Por isso procuro ser gentil até com os crackudos da minha rua.

As relações interpessoais influenciam a qualidade de vida. E a qualidade de vida de cada um influencia o seu estado de espírito, seu humor, e, consequentemente, sua boa disposição para se relacionar com outras pessoas. A minha qualidade de vida depende da qualidade de vida das pessoas com quem eu preciso lidar diariamente. Não é obrigação minha ou de qualquer outra pessoa se preocupar com a qualidade de vida de outrem. É uma escolha, e como toda escolha feita conscientemente, é, isso sim, obrigação nossa aceitar as consequências dela. Você pode muito bem ser rude com o garçom do restaurante. Mas pense que ele vai lhe servir novamente depois.

Por isso é sensato fazê-lo. E por isso eu me sinto compelido a buscar fisicamente, intelectualmente ou ideologicamente maneiras de melhorar a vida das outras pessoas. Eu já disse anteriormente que sou um misantropo - na ocasião, um misantropo que se arriscava em causas sociais - e não tenho qualquer aspiração de obter reconhecimento. Faço o que faço e ajo como ajo egoisticamente, porque preciso das outras pessoas para fazerem coisas por mim que eu não posso ou não quero, enquanto ofereço a elas o que eu sei e o que sou capaz de fazer. É assim que a vida em sociedade funciona. E preciso que elas estejam de bem com a vida. Preciso entrar num ônibus cheio e encontrar as pessoas de bom humor, e não hostis a ponto de atacarem-se umas às outras porque aquilo é a gota d'água para elas. Preciso que elas estejam dispostas a colaborar umas com as outras e estabelecer relações construtivas, e não agredirem-se ao menor descontentamento. Quem enxerga isso e opta pela solidariedade enfrentará os revezes mais crueis: alguns tentarão se aproveitar de você, tentarão intimidar você, tentarão pará-lo a todo custo.

Mas vale a pena. Porque toda pessoa importa.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

No caminho da não violência encontrei uma pizza

Tenho pensado nas últimas semanas que a compaixão é uma das vigas de sustentação da não violência. E que a compaixão, para ela ser totalmente incorporada, natural e espontânea, ela precisa se estender a esferas cada vez mais abrangentes: aos familiares, aos amigos, aos conhecidos, às pessoas com quem você simpatiza, às pessoas com quem você tem algum tipo de empatia ou compartilha passivamente seu espaço, as pessoas com quem você não simpatiza, seus adversários, e aquelas que querem lhe fazer mal, inconsciente ou conscientemente. Fora dessas esferas, há ainda que se considerar os animais, dos que temos como estimação, dos que nos alimentamos, dos que nos são indiferentes, dos que nutrimos antipatia ou asco, e dos que nos são nocivos.

Por conta disso, há anos eu tenho praticado conscientemente o perdão para todas as afrontas, e controlado a violência em pensamento todas as vezes que eu testemunho uma injustiça. Tenho falhado miseravelmente todos os dias, mas cada vez menos. Isso é em relação às pessoas. Mas também, há várias semanas eu deixei de matar insetos domésticos, como formigas, moscas e baratas, e até pernilongos e borrachudos, mesmo que estivessem me picando. É algo que eu também estou exercitando conscientemente até que se torne natural.

Eu cheguei a considerar que, nessa jornada pela não violência, eu acabaria desembocando numa mudança de hábitos alimentares, quando a compaixão pelos animais tornasse moralmente impossível a ingestão de carne e outros subprodutos obtidos da morte destes ou do seu não consentimento (como laticínios e ovos).

Só que aí eu estaria partindo do princípio de que as plantas - a outra fonte de alimentação de que dispomos - não sentem ou não tem alma, ou coisa que valha. Isso é altamente discutível. Plantas não sentem dor por não terem sistema nervoso, mas mesmo sem sistema nervoso elas processam estímulos do ambiente e acionam mecanismos internos para reagir positivamente a eles (e não caoticamente, como se esperaria de um organismo desprovido de consciência física), incluindo reagir à predação, como qualquer animal, inclusive os que não processam a dor no seu cérebro. Sem falar da ingestão de brotos e sementes, que são embriões de plantas que nunca tiveram uma chance. Além disso, o que fazer com as frutas, cujas sementes dependem de alguém que as coma para se dispersarem e seguirem com o seu propósito? Isso tudo me colocaria numa sinuca, porque estendendo a compaixão aos vegetais - coisa que, isso sim, já está totalmente incorporado em mim! - eu, mantendo meus critérios, deixaria de comê-los. O que, no fim, seria uma má ideia.

Creio que a moderação, uma alimentação mais natural possível (que escape à carne processada e aos animais torturados com hormônios), que inclua somente o que o corpo precisa, sem excessos e extravagâncias, pode ser um objetivo alcançável. Eu já tenho um "pacto" com as árvores frutíferas, de recolher delas somente o que eu vou comer, e deixar para trás o resto para que sirvam de alimento a outros animais. É algo muito difícil (e MUITO CARO) de se fazer numa cidade como o Rio de Janeiro, mas é uma meta possível.

Gostaria de ouvir sugestões e experiências de quem optou pelo vegetarianismo, de quem tentou mas voltou atrás, e de quem optou por seguir o caminho da não violência, mas não sentiu a necessidade de mexer na alimentação mais do que a saúde exige.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Breves impressões sobre Dali

A arte é uma forma de expressão que funciona de maneira diferente sob dois aspectos: do ponto de vista do artista, seus sentimentos, sua mensagem, sua ideologia, sua técnica; do ponto de vista do observador, a maneira como aquela expressão é absorvida pelos seus sentidos, e a maneira como essa visão transformada o atinge. Creio que quanto menos estudo, quanto mais cru é o observador, mais autêntico é o impacto de uma obra sobre ele. Seria o meu caso.

Ontem visitei a exposição de Salvador Dali, no CCBB. Embora eu conheça a excentricidade do artista - quem não conhece? - e consiga identificar suas pinturas mais famosas e um estilo, sei pouco do que ele realmente pretendia expressar nelas. Mergulhei no seu universo com algo a que me apegar como "familiar" no meio de tanta estranheza. Formas humanas torturadas desconstruídas e solitárias em vastos cenários etéreos, com sombras, fantasmas, rochas e carne. Um mundo maior, mais rápido, que não tinha mais espaço para o clássico, para a forma, para o indivíduo, como devia parecer ao homem observando o desenrolar da primeira metade do século XX.

Minha impressão? Em cada quadro, eu recebi uma mensagem positiva: o homem oprimido pelos seus terrores pessoais expulsando seus demônios, libertando-se, ascendendo espiritualmente, negando-se a ser arrastado para a espiral de autodestruição niilista do mundo moderno. O homem que suprime seu ego, deixa de ser rocha e passa a ser diáfano. O homem que deixa seu terno e sua obrigação de trabalhar para alguém e fazer o que se espera dele para colecionar telefones verdes e vestir-se com fios de cobre. Ele salva Dom Quixote transformando-o também em matéria de sonho, unindo-o finalmente à sua Dulcinéia.

Extremamente inspirador.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Sugestões de viagem: Penedo, RJ

Aos amigos que me leem, e aos que eventualmente encontrarão este post via google, vão aí as minhas impressões e sugestões de Penedo, um dos lugares mais charmosos entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Onde fica e como se chega lá?

Penedo é um distrito do município de Itatiaia, a meio caminho entre Rio e São Paulo. Fica a 15 minutos do posto Graal de Resende, pode ser acessado na altura do km 311 da Via Dutra. Trata-se de um vale aos pés da imponente Serra da Mantiqueira. Em meados do século XX, finlandeses chegaram à região e trouxeram língua, hábitos e cultura. A alta temporada é o inverno, quando a proximidade com a serra derruba a temperatura. Na verdade, em qualquer época, a alta temporada mesmo é toda semana, de quinta a domingo, quando todo o comércio funciona, principalmente nos fins de semana. De segunda a quinta é difícil achar algo além de restaurantes abertos e algumas lojas, mesmo assim nem todos.

Para quem vai de ônibus, a partir do Rio a viação Cidade do Aço tem ônibus diários em três horários, que fazem ponto final em frente à padaria Penepão, próximo ao centro. Quem vem de São Paulo precisa ir até Resende, onde pode optar por um ônibus intermunicipal que sai do próprio Graal para Penedo em intervalos de cerca de 30 minutos (custa R$3,05), ou tentar um taxi, já que nem é tão longe (15 minutos até o centro de Penedo).

Principais atrativos:

-A Casa do Papai Noel - os finlandeses exploram a mítica do seu conterrâneo famoso e criaram uma mini-cidade finlandesa - a Pequena Finlândia - com lojas, restaurantes e atividades, como um autorama gigante, em volta da Casa do Papai Noel propriamente dita, onde o velhinho recebe visitantes. Papai Noel, aliás, é onipresente na cidade.
-Fábricas de chocolate - não sei qual a relação entre a Finlândia e o chocolate, mas existem várias fábricas de chocolate caseiro e guloseimas baseadas em cacau.
-Night - quase todos os restaurantes abre à noite. Finlandês, português, mexicano, japonês, italiano, mineiro, caipira, churrascarias, fondues, peixes, vinhos, pizzarias, sorveterias, cafeterias, charutarias, com música e apresentações culturais; alguns fabricam suas próprias cervejas (ou comercializam cervejas locais). A night é badalada, atrai pessoas de Resende, e alguns hoteis na Serra de Itatiaia incluem a noite penedense na sua programação.
-Hotelaria - há opções de todo tipo de hospedagem em Penedo, pensões, pousadas, apart-hotéis e grandes hotéis com seus próprios centros de convenções. Consulte a localização do hotel e a sua conveniência - hotéis luxuosos serra acima podem não ser muito práticos para quem não estiver motorizado, já que quase todas as atrações estão no centro.
-Passeios - a cidade oferece passeios de carruagem, cavalo, quadriciclo, que exploram as estradas e trilhas que cortam as matas e chegam às cachoeiras. Uma caminhada "mainstream" é a do Pico do Penedinho, a 600 m de altura. Para se chegar à trilha é preciso pedir uma autorização na Casa do Chocolate, onde se pode obter todas as informações. Para crianças, idosos, sedentários e urbanos, um trenzinho faz um passeio de 1 hora pela cidade saindo da fábrica de chocolate próximo à cidade do Papai Noel. Esse passeio custa R$10,00
-Produtos típicos - além dos chocolates caseiros e cervejas, os doces, compotas, conservas, geleias e licores estão por toda a parte. Artigos de couro, retalhos, mantas e artesanatos diversos são lembranças favoritas da cidade.

O que eu vi:

Visitei Penedo entre terça e sexta-feira. É o período menos movimentado da cidade, então boa parte do comércio ficou fechado. Os restaurantes abrem para o almoço, mas deixam de oferecer o self-service depois das 14:00 - caso você seja da cidade grande onde vc encontra qualquer coisa a qualquer hora, isso pode te pegar desprevenido no primeiro dia. Mas à noite quase todos os estabelecimentos estão abertos, então o jantar é garantido. Em compensação, eu conheci o ritmo normal de Penedo, sem turistas barulhentos constrangendo os locais com uma atitude ruim (peguei isso na sexta de manhã...). Mas algumas atrações, como o Museu Finlandês, ficaram fechadas.

Fiquei hospedado no Hotel Casa Encantada. É um hotel pequeno na Av. Finlândia (um nome muito pomposo para uma estrada estreita e com calçamento ruim que começa e termina na Av. das Mangueiras, essa sim uma avenida), porém adequadamente equipado com piscina, piscina quente, sauna finlandesa, salas de convivência, restaurante, estacionamento próprio, TV a cabo, frigobar, lavanderia. Eles também estão preparados para eventos corporativos e congressos, e se colocam à disposição para, por exemplo, marcar o seu cabeleireiro. Os funcionários são atenciosos e gentis. Não se engane, a localização é excelente: está há cerca de 10 minutos de caminhada do ponto final do ônibus da Cidade do Aço, e a 50 metros de um ponto de ônibus na Av. das Mangueiras, próximo de todos os lugares bons do centro. Na esquina, inclusive, há um ponto de aluguel de quadriciclos, e na outra ponta da Av. Finlândia (curtinha, meça no google mapas), outro local para arranjar passeios a cavalo. O hotel fica à beira do Rio das Pedras. Ouve-se o barulho constante da água fluindo pelas pedras.

O ônibus que vai do Rio para Penedo para em frente à padaria Penepão. Se você pegou um ônibus das 11:05, deverá chegar ali ainda a tempo para o almoço. O Penepão oferece almoço, mas, ali ao lado, tem o Recanto do Achego, que serve o quilo mais em conta de Penedo, com comida simples tipo caseira, mais um churrasco bem feito. Aconselho muito bater um prato ali antes de ir ao hotel - o tempo de deslocamento, fazer o checkin, se acomodar, até finalmente sair para almoçar, pode te deixar na mão, porque o horário de almoço já terá terminado, e só alguns restaurantes continuarão aberto, mas nenhum self-service.

Outro lugar prático e barato de se comer, que abre a partir do final da tarde, é o Penedo Burgers, um trailler estacionado em frente à Pousada do Lago, que deve ser o único fast food que eu vi em Penedo. Boa variedade de sanduíches, bem servidos - cheese bacon? Tem o cheese, e tem o bacon. Aos sábados e domingos eles ficam abertos até as 5:00, sendo opção para quem sai da balada no Clave de Sol, a principal (talvez, a única?) boate, que eu não peguei aberta. A lanchonete, de quebra, está na rota de entrada de Penedo, então se vc chegar de carro lá pelas 17:00, pode parar ali para fazer um lanche antes de ir para seu hotel.

Sem buscar orientação local - uma característica minha quando vou a qualquer lugar :P - eu atirei e errei tentando acertar um bom fondue à noite. Fui a um restaurante chamado Aglio e Oglio, na Rua das Velas, onde eu sabia que servia fondue. Mas, já acomodado e com o cardápio na mão, fui informado que o rodízio de fondue - com pães, carnes e tudo mais - só é servido aos finais de semana. Mas eu havia lido uma recomendação na internet de um certo Filet Escandinavo, então apostei nele para não perder a viagem, pedi o prato para dois, pois assim o preço ($72,00, se não me engano) me pareceu razoável. A minha conclusão é de que Deus existe, e foi Ele quem criou este prato: a porção inclui um arroz com ervas e queijo, um tomate recheado com catupiry e gratinado, e dois bifes grelhados enormes de grossos completamente cobertos por fatias finas de alho e cogumelos. Talvez os melhores bifes que eu já provei, e falo isso com a propriedade de um carnívoro de 35 anos que se orgulha do próprio bife a ponto de se recusar a comê-lo na rua, e que já experimentou várias versões dos bifes das redes locais, como Outbacks e Stadiums da vida, e que a família desenvolveu suas próprias receitas indefectíveis de carne. Então engulam essa. E peçam mais.

Não fiz trilhas nem passeios a cavalo - até porque eles saem geralmente de quinta a domingo - mas circulei pela maior parte da cidade a pé. A Pequena Finlândia ficou quase toda fechada até sexta de manhã - com exceção da fábrica de chocolate local. A própria Casa do Papai Noel estava fechada, com um aviso na porta alegando problemas de saúde do bom velhinho (é sério, até gravei um vídeo explicando isso). Caminhei pela Av. Penedo, que sobe de maneira que se tem de lá uma bela visão do vale de Penedo, e além - o mar de morros ao sul, e a imponente Serra de Itatiaia ao norte. Nela também se encontra o Hotel do Papai Noel, o hotel mais famoso e mais imponente da região - uma grande construção em vermelho, que pode ser avistada de grande parte da cidade, principalmente à noite, quando fica toda iluminada.

Três lojas merecem menção especial:

Na From Penedo (num centro comercial na Av. das Mangueiras cujo site não encontrei, e é homônimo da empresa que oferece passeios turísticos a cavalo... e talvez seja a mesma) se vendem compotas e conservas, mas duas especialidades da loja viraram presentes para família e amigos: licores de fabricação própria de sabores tão variados como milho, avelãs, maracujá, e vários tipos de chocolate; e pastas de peixe. É, que estranho, eu pensei... mas a pasta de truta defumada me deixou de joelhos. Parece uma pasta de maionese, um patê, mas é feito com fécula de mandioca - sem maionese! - extremamente saborosa. Outras pastas - salmão defumado, e outros sabores sem peixes baseados em ervas e especiarias - são excelentes também. Esse tipo de pasta deve ser algo que os finlandeses inventaram, porque estavam à venda por toda a parte. Também comprei um provolone temperado, dentre os vários queijos disponíveis. O melhor? A proprietária oferece amostras de tudo que vc pedir. Inclusive dos licores.

Na Fábrica de Chocolate Joulupukin Suklaa, ao lado da Pequena Finlândia, e de onde sai o passeio de trenzinho, você compra chocolates por peso, ou por peça, e a média é R$9,00 por kg. O chocolate é feito na hora. E que chocolate! Ao leite, branco, meio amargo, com sabores, em diferentes formatos, trufas, todos espetaculares. Não avalie o preço com base no que vc encontra da Lacta nas Lojas Americanas, os chocolates daquela loja são melhores a ponto de te fazer crer que eles merecem mais o seu dinheiro do que você. Na quinta à noite tomei um chocolate quente cremoso ali que matou minha vontade.

Por último, numa loja no térreo do centro comercial bem ao lado do Aglio e Oglio, encontrei uma loja chamada Via Láctea. Uma loja de balas e doces, especializada em importados e retrô - você vai encontrar caixas das balas de Candy Crush fabricadas no México, e um baleiro old style cheio de toffees e balas Juquinha; chocolates importados e jujubas por quilo. É uma loja para crianças, aproveitando o apelo da cidade para as crianças, com toda essa história de Papai Noel e chocolates, mas com esse toque retrô que apela para os pais. A loja é decorada com brinquedos - do marido da dona, que até faz pendrives com Hot Wheels. Sabe o que é Pez? Se acha especial por conservar um seu da sua infância? Eles vendem toda a linha dos Simpsons, das princesas da Disney, do Angry Birds, do Toy Story.

A fábrica de chocolate mais famosa é a Casa do Chocolate, ainda perto da entrada da cidade. Mas cuidado: eles só aceitavam pagamento em cheque ou em dinheiro. Penedo não tem banco (que eu tenha visto) e o caixa eletrônico do Banco do Brasil não estava funcionando (havia um caixa 24 horas num mercado morro acima, bem longe dali), de maneira que fiquei de calça da mão quando fui tomar um sorvete (bom) no finzinho da viagem, quase na hora de embarcar e com toda a grana torrada, e minha esposa teve que usar o débito dela na caixa do Recanto do Achego para "sacar" dinheiro, já que também não dava para devolver o sorvete :P

De maneira geral, em todos os lugares onde eu fui, as pessoas me trataram com grande gentileza e atenção, não só no hotel, mas nas lojas e restaurantes, até na prosa no ponto de ônibus. Até por isso me doeu, já no final da estadia, ver turistas estabelecendo aquela conhecida relação patrão-empregado, como eu não pude evitar de dizer um pouco mais acima. Preciso voltar lá para ver e experimentar tudo o mais que Penedo tem a oferecer. Curti.
 
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