quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Desenhando no ônibus

Como eu viajo cerca de 5-6 horas, somando ida e volta, todas as vezes que eu tenho que trabalhar, eu procuro fazer alguma coisa para ocupar a mente e não transformar esse tempo em tempo perdido. Já tentei leitura (eu me disperso com muita facilidade), identificar árvore até pelo menos a família (algo que realmente ocupa o tempo quando se atravessa a Floresta da Tijuca), ouvir música (embora isso só mantenha os ouvidos ocupados), até mesmo elaborar projetos acadêmicos (todos, rejeitados). Mas meu passatempo favorito é o mais improvável e o mais trabalhoso de todos: desenhar.

Desenhar em qualquer veículo em movimento requer muita concentração e paciência. O balanço do veículo cria uma situação de stress que me obriga a buscar soluções para traçar um desenho firme e bem estruturado, contra as forças que impedem um trabalho fino e limpo. Some-se a isso uma deficiência no desenvolvimento das articulações das minhas mãos e pulsos, que naturalmente dificultaria qualquer desenho mais elaborado - pra se ter uma ideia, isso prejudica tanto a minha caligrafia que eu já decidi abandonar definitivamente a escrita cursiva, porque nem eu entendo o que escrevo. Mas mesmo com todas essas dificuldades, e mesmo não produzindo lá grandes coisas, eu ainda fico satisfeito quando ergo a lapiseira do papel e vejo isso:

Alis Landale correndo, desenhada num ônibus

Desenhar no ônibus é algo estranho e inesperado. Muita gente que se senta ao meu lado ou fica em pé perto de mim fica me observando. Como eu só as enxergo com a visão periférica, não sei se estão interessadas, se acham bonito, estranho, excêntrico, ou sei lá o que. Sei que muitas vezes o lugar ao meu lado é o último a ser ocupado, mas aí não sei se é porque acham que eu sou algum louquinho que fugiu da terapia ocupacional, ou porque minha bunda é grande, ou porque eu tenho caspa. Pode ser qualquer coisa, mas imagino que, pelo menos algumas vezes, seja por causa do desenho :^P

Mas uma coisa que eu reparo é que algumas pessoas parecem se admirar com o fato de alguém estar desenhando alguma coisa coerente naquele chacoalhar todo. A impressão que dá é que estes especificamente devem pensar "eu gostaria de poder fazer algo assim". Esses dias uma japinha, que dormiu a viagem toda, e quando acordou, dois pontos antes d'eu saltar, se espantou comigo finalizando um esboço, me perguntou se eu fazia curso ou dava aula de desenho, porque ela também desenhava, mas não se imaginava tentando fazer isso no ônibus. Hoje era um tiozão que não tirava os olhos, e dois irmãos pequenos indo para a escola com a mãe, comentando, como se eu, por estar com fones de ouvido, não estivesse percebendo nada (e fingi para não intimidá-los, só pra ver o que diriam :^P). Um senhor uma vez até puxou assunto, dizendo que o filho dele gostava de desenhar e se eu podia passar algum conselho.

A impressão que dá, muitas vezes, é que as pessoas nunca pensaram em, por exemplo, desenhar dentro de um ônibus, porque imaginam que isso é impossível ou que isto está além das suas habilidades. Gente, provavelmente, mais entendida no negócio, ou com mais aptidão física do que eu, que se nega o prazer de riscar um papel por acharem que não conseguirão fazer. E extendo a minha observação a pessoas com talento ou vontade que conheço por aí, e que sequer começam a praticar com medo de não produzirem uma obra do nível de um Rafael. Muita gente abandona seus sonhos e vive por inércia uma vida frustrante esperando algo milagroso cair do céu porque tem medo de tentar correr atrás deles. Se eu pensasse "eu gostaria de desenhar, mas não fiz curso e tenho a habilidade manual de uma criança de 4 anos, então isso é impossível pra mim", não só eu não desenharia dentro do ônibus, como não desenharia em circunstância alguma, e me privaria, permanentemente, de uma das atividades que mais me dão prazer, independente de ser num nível amador e iniciante, além de, como expressões do meu sub e inconscientes, me auxiliarem nas minhas ondas de auto análise. Não imagino como meu lado emocional poderia estar hoje se eu não encarasse o desafio.

Quando a japinha comentou que ela gostava de desenhar, mas não se imaginava desenhando num ônibus, eu me levantei para saltar e me despedi, dizendo: "se eu conseguir desenhar bem aqui dentro, eu vou conseguir desenhar bem em qualquer lugar". E segue o desafio.

Um comentário:

Altair Araujo disse...

eu tambem desenho no onibus todos os dias!

 
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