sexta-feira, 30 de julho de 2010

Disciplinando os pais

Estava pensando sobre essa lei que criminaliza castigos físicos e torturas contra crianças por parte dos pais. A princípio eu acho ótimo. A violência contra os filhos é uma violência dupla, porque toda criança que sofre agressão por parte dos pais sofre o dano físico e também o emocional, porque aquelas são pessoas que se supunha serem as protetoras, das quais a criança, de início, nunca espera esse tipo de coisa. Um tapa na cara vindo de uma mãe é muito mais doloroso do que uma paulada que se leva de um moleque na rua. Além disso, a violência é o recurso dos brutos, que não sabem ou não querem dialogar, não se importam com o que os filhos sentem, não tem argumentos nem coerência, e só lhes resta a opção do espancamento, e esses sentirão (se Deus quiser, porque acreditar na justiça dos homens está difícil) os rigores da lei.

Contudo, como quase toda lei aprovada pelas vossas excelências, esta peca pela subjetividade dos seus preceitos. Ela prevê que qualquer puxão de orelha ou castigo que prive a criança de sua liberdade seja considerado crime. Isso supõe que o diálogo será suficiente para manter as crianças sob controle, disciplinadas e bem educadas o tempo inteiro.

A maioria dos adultos que eu conheço só tem recordações da infância a partir dos 6 anos ou mais, época em que a criança já está se enquadrando em padrões de comportamento social, e acha que é assim que funciona, naturalmente, a cabeça da criança. Mas eu lembro muito bem de fases bem precoces da minha infância, cuja memória mais antiga que eu tenho é do meu aniversário de 1 ano, e a coisa não é bem assim. Nessa fase que os adultos acham que as crianças são bobinhas é quando elas, inconscientemente, constroem grande parte dos seus conceitos, que, se elas não levarão até a fase adulta, servirão de substrato para esses outros que surgirão. E eu lembro bem, apesar de não ter sido vítima de violência doméstica (puxões, beliscões, ameaças, espancamento, esse tipo de coisa) e meus pais terem sempre procurando se comunicar comigo e demonstrar interesse, que eu era um "rebelde" em miniatura. Às vezes as coisas fugiam do controle, e eu levei uma ou outra chinelada bem merecida (minha irmã, que era mais hiperativa, teve que conviver com isso mais do que eu :^P). E essa lei jogaria meus pais na cadeia e me colocariam sob os cuidados do Conselho Tutelar.

Uma parte da educação de uma criança, levando em conta que ela está sendo formada para se tornar um ser social, é ensinar que cada lugar e situação tem seus limites, e que ultrapassá-los pode trazer consequências danosas. Mesmo com pais que conversam, ensinam e escutam, como os meus, esses limites, o proibido, é o que há de mais tentador para uma criança. Toda criança é curiosa e deseja explorar por si própria aquilo que ela suspeita que exista mas que não lhe é permitido ver. Uma forma de impor limites é o castigo, que pode variar desde uma chinelada até uma proibição, por exemplo, de andar de bicicleta, caso essa atividade esteja envolvida com a transgressão. O castigo faz parte da formação do ser social, porque quando ele chegar à fase adulta, ele continuará vivendo dentro de limites, cuja transgressão resultará em castigo, sob a forma da lei ou outras, como a transgressão de limites de conduta estabelecidos num círculo social qualquer (o casamento, por exemplo).

Talvez seria melhor se existisse um meio termo para os limites dessa lei. Mas, assim como ela é agora, esses limites seriam subjetivos, e sua interpretação mais ainda. O ideal mesmo é que os pais sejam realmente pais. Ou seja, que atuem como educadores, conselheiros, protetores, incentivadores. Que sejam, nas suas atitudes e opiniões, exemplos de integridade moral e coerência. Que estejam sempre abertos à comunicação e ao diálogo, para que a criança não se sinta coibida a esconder sobre sua intimidade ou mentir pelo medo do que possa acontecer, e se esforcem para entender o que os filhos pensam e sentem. Que sejam parceiros em que se possa confiar, para que sua outra função, como orientadores, possa ter efeito. E que não deixem para professores, artistas, vizinhos, parentes, aparelhos eletrônicos, celebridades de 15 minutos, e, até, outras crianças o papel de pais. E que não sejam meros provedores de bens materiais (porque comprar o amor de um filho é a outra alternativa dos brutos que eu citei no primeiro parágrafo, mas só quando eles tem dinheiro). As coisas feitas desse jeito não podem dar muito errado.

E que não trepem sem camisinha se não estiverem dispostos a tudo isso.

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